segunda-feira, novembro 13, 2006

C.R.A.Z.Y. tem Cristo pop


Sábado, 28 - C.R.A.Z.Y. - LOUCOS DE AMOR

O subtítulo nacional é ridículo como sempre e eu ainda estou tentando entender o que significa o Crazy abreviado do título original. Bem, C.R.A.Z.Y. - LOUCOS DE AMOR é um sucesso do ano passado no Canadá, onde faturou vários prêmios locais de melhor filme e muito mais e já está comprado para o Brasil. Tem tudo para virar um sucesso alternativo contagiante, de enorme apelo popular com a platéia jovem. Historinha alto-astral de uma família de classe média com cinco filhos homens. (Ei, talvez o título do filme sejam as iniciais dos nomes dos garotos!). Zachary Beaulieu (Marc-André Grondin) é o mais bonito da prole, nasceu no mesmo dia que Jesus Cristo, no Natal de 1960, com uma marca de nascença no cabelo negro (uma mecha loira) e, segundo a mãe, com abençoados poderes curandeiros. Assim como Cristo, Zachary parece ter algo de especial. Não, ele não é o Salvador. Zachary é gay e o filme acompanhará durante os anos 60, 70 e 80 sua luta contra a homossexualidade, para não decepcionar o pai, o que seria a vergonha da família, ele a ovelha negra dos cinco filhos homens. O formato é de sitcom, comédia dramática cool, pontuada por várias canções que farão você bater o pé na sala de cinema, com Rolling Stones, Pink Floyd e especialmente Space Oddity, de David Bowie, músico que Zachary, claro, adora.

Com os esperados exageros da linguagem videoclipe em algumas passagens, C.R.A.Z.Y. tem como maior qualidade uma abordagem da sexualidade do rapaz de forma um pouco menos esperada. Não é um filme de jeito algum endereçado ao público gay. Zachary reluta em assumir-se, confuso que está, como qualquer adolescente. Ele namora oficialmente a amiga de infância e chega até a encher de porrada um amiguinho gay com quem ele faz brincadeiras sexuais juvenis. Também, não há cenas de beijos ou sexo entre homens. A cena mais sexy do filme é quando Zachary brecha, de dentro de um armário (!!), seu irmão mais velho transando com a namorada. E o momento em que Zachary finalmente se assume, numa viagem psicodélica e solitária para a Europa e Jerusalém, é bastante discreto, subjetivo.

O filme nunca será sobre Zachary assumir ser gay, mas sim sobre como se desenvolvem as relações familiares através das décadas, com o irônico detalhe de que o irmão mais velho de Zachary se tornará, de fato, a ovelha negra da família, viciado em drogas pesadas e vivendo à beira da morte. A chave de leitura é o clássico italiano Rocco e Seus Irmãos (1960), obra-prima de Luchino Visconti, onde o sacrifício de um dos irmãos será o catalizador na união da família. Com uma atuação cativante de Michel Coté (certamente veterano ator popular no Canadá) como o pai, bronco mas 'louco de amor' pelos filhos, C.R.A.Z.Y. é um filme fofinho, irresistível, embora um pouco longo demais, passando de duas horas de duração (algo talvez agravado por eu ter assistido numa sessão à meia-noite, após três outros filmes vistos). É a indicação oficial do Canadá para concorrer a uma vaga no Oscar 2007 de melhor filme estrangeiro. Boa notícia: C.R.A.Z.Y. será exibido em sessão única nessa sexta 17, 21h20, na programação da MostraMundo 2006, no Cinema da Fundaj, aqui em Recife.

Antonia tem periferia pop


Sábado, 28 - ANTONIA

Já bastante divulgado em formato de seriado de TV, Antonia, o filme, está previsto para estrear só em 2007. Provavelmente a estratégia comercial é popularizar os personagens (quatro garotas pobres, da periferia paulista) e levar o público a ver um material inédito final nos cinemas. Bem, tem tudo pra funcionar. Antonia adota a fórmula Cidade de Deus de 'vejam, brancos que vão ao cinema do multiplex, como a periferia é pop!' e funciona, independente de você aprovar ou não o formato publicitário chique com câmera na mão. Como já divulgado na TV, o filme conta a história de quatro garotas negras (ótimas atrizes novatas) que moram na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo, e lutam pelo sonho de formar um grupo musical, o Antonia do título, e (sobre)viver da sua arte.

Elas deixam de ser backing vocals de um grupo de rap masculino e formam sua própria banda. O sucesso local, com música própria e identidade com o público de periferia, é imediato no início, mas o dinheiro não vem. Elas precisarão da ajuda de um 'empresário', o mala sonhador Marcelo Diamante (DJ Thaíde, engraçado), submetendo-se a cantar em bares de branco mané classe média em São Paulo, onde trocam sua música por covers de Killing me Softly e sucessos de Lulu Santos, em troca de um cachê mísero mas regular, certo. Enquanto vão tentando firmar-se, a dura vida de pobreza na periferia vai separando as meninas, de prisão a gravidez e outras fatalidades que fazem parte do cotidiano da periferia mais pobre.

Dirigido com agilidade por Tata Amaral (Um Céu de Estrelas e Através da Janela) e produzido com eficiência por Fernando Meirelles, Antonia diverte, emociona e cumpre bem a proposta de cinema-entretenimento focado nas parcelas da sociedade brasileira que não vão ao cinema. Em algum lugar, fica um incômodo de esperar algo de mais contundente e forte emocionalmente, mas talvez seja uma cobrança equivocada da minha parte, de achar que não combina ver pobreza maquiada pra ser consumida com pipoca e coca-cola, aquela questão do filme Cidade de Deus ter despertado tanta discussão por embelezar e 'popficar' a miséria do Brasil e deixar a humanidade real dos personagens em segundo plano. Antonia é um filme legal. Ponto.

Don Quixote numa visão muito pessoal


Sábado, 28 - HONOR DE CAVALLERIA

Fato curioso de ver tantos filmes em 15 dias é que a memória trabalha de uma forma seletiva especial. Todos os filmes 'normais', que trabalham fórmulas e técnicas visuais já dominadas pelo excesso de informação audiovisual atual, acabam evaporando da mente e aqueles filmes considerados 'difíceis' (mesmo pelo público cinéfilo de carteirinha) ficam gravados com uma intensidade incrível na nossa cabecinha. É o caso desse indescritível Honor de Cavalleria (Honra de Cavalaria, em português, se for algum dia comprado para o Brasil, algo que acho quase impossível, diria que é humanamente impossível tentar ver esse filme em DVD numa televisão).

O filme é uma adaptação bastante livre, quase abstrata, do clássico da literatura Don Quixote. E de literatura não tem nada, é um registro absolutamente cinematográfico, em tom quase de pseudo-documentário, realizado por um diretor espantosamente jovem, o espanhol Albert Serra, 31 anos, ainda em seu segundo longa. Acompanhamos o famoso cavaleiro e seu fiel escudeiro em algumas situações radicalmente naturalistas (em tempo e espaço), em campos espanhóis, aparentemente sem destino, em busca de aventuras mas, na maior parte do tempo (como deveria ser realmente naqueles tempo medievais) absolutamente nada acontece. Não é desenvolvida nenhuma trama e a dupla cruza com pouquíssimos personagens, rumo ao final da fita. Basicamente, Honor de Cavalleria mostra, de forma minimalista ao extremo, com diálogos mínimos porém essenciais (acho que tirados literalmente do livro) a bela amizade entre Don Quixote e Sancho Pança (dois atores impecáveis, Lluís Carbó e Lluís Serrat), que vai revelando-se aos poucos o grande tema do filme, de forma nobre, grandiosa e emocionante para quem ficar até o final da sessão.

Retrato desconcertante da impaciência do público diante de um filme lento mas, principalmente, de um filme que o público não sabe como olhar, pela recusa em aceitar uma obra que não é igual às outras, não se encaixa em qualquer padrão estabelecido, não pode ser rotulada facilmente nem como 'filme de arte', vi nessa sessão uma debandada de uns 50 espectadores (numa sala lotada, certamente pela cotação máxima da Folha SP do dia, que atrai espectadores como moscas famintas diante da quantidade de filmes desconhecidos oferecidos). Enfim, claro que eu achei difícil atravessar o filme, há passagens excruciantemente lentas, sem qualquer ação, mas, se até agora eu não consigo esquecer das imagens do filme, do seu ritmo e som orgânicos e incomuns, de seus não-personagens magníficos, de sua desconstrução do que se entende por roteiro cinematográfico, o que é Honor de Cavalleria senão uma autêntica obra-prima, na sua mais didática definição? Viva Espanha!

Edmond é puro David Mamet


Sábado, 28 - EDMOND

O estilo verborrágico seco e preciso do escritor de teatro e cinema David Mamet ganhou notoriedade a partir dos anos 80, quando ele próprio começou a dirigir seu material em filmes marcantes como As Coisas Mudam, Homicídio e Oleanna, até os recentes State and Main, O Assalto e Spartan, todos com a marca inconfundível dos roteiros exatos, sem excessos, de Mamet. Dessa vez, a direção ficou nas mãos de Stuart Gordon, diretor mais conhecido pelo cinema B de Re-Animator, From Beyond e o surpreendente Tratamento de Choque (King of the Ants, 2003), sua fita anterior a esse Edmond, peça teatral de Mamet de 1982, adaptada de forma bastante correta por Gordon, tanto que, como os melhores filmes de Mamet, tem curtíssima duração, apenas 82 minutos. E a trajetória de transformação radical que o personagem-título (William H. Macy, perfeito para o papel) sofrerá no filme é assombrosa justamente pela concisão, objetividade e economia didática com que é narrada.

O filme Edmond quer provar por A + B que o homem é produto do meio ambiente em que vive. Assim, vemos a tese de que um americano branco, rico, heterossexual, racista, homofóbico, arrogante e egoísta e o seu oposto extremo, um americano branco, loser, homossexual, apático, presidiário por assassinato e namorado de um negro (com quem divide a cela), podem ser mais próximos do que podemos imaginar. Julgamento moral relativizado, eles são apenas resultado das circunstâncias vividas. O filme inicia com Edmond abandonando a esposa num apartamento elegante e partindo para uma via crucis pela noite marginal de Nova York. Prostitutas, bares de strippers, garçonetes, traficantes, fanáticos religiosos e outros personagens irão cruzando seu caminho e transformando-o em outra pessoa.

Talvez o estilo David Mamet de roteiro já esteja meio datado, copiado à exaustão, mas nos anos 80 provocava um impacto violento sobre o espectador. Ainda assim, Edmond causou reações estranhas na platéia, desnorteada com o desdobramento das ações de Edmond, inicialmente uma figura detestável que, por vias muito tronchas, adquire algo de humano, sem pieguice. O formato do filme, um tanto televisivo (diálogos à frente da imagem, mas bem dirigido), sugere que deva ser lançado direto em DVD, com o apelo de um incrível elenco de famosos. Além de William H. Macy, temos participações mínimas de nomes como Joe Mantegna, Julia Stiles, Denise Richards, Dylan Walsh, Mena Suvari, Bai Ling e Rebbeca Pidgeon, esposa de David Mamet na real (e de Edmond, no filme).

sábado, novembro 04, 2006

Premiados da 30ª Mostra SP


Sexta-feira, 03 - PRÊMIOS PARA O CINEMA BRASILEIRO

O Blog Kinemail permanece no ar com atualizações dos filmes da Mostra 2006, após o encerramento oficial nessa quinta 02 de novembro, com a cerimônia de entrega dos prêmios no auditório do Parque do Ibirapuera consagrando o filme brasileiro O Cheiro do Ralo, do pernambucano (há 13 anos vivendo em São Paulo) Heitor Dhalia, com Selton Mello. Não vi o filme, dentro da minha proposta de dar preferência a conferir primeiro os filmes de lançamento comercial duvidoso no Brasil.

Observação importante: esqueci de comentar que o prêmio da Mostra é dado para filmes de diretores iniciantes, daí que vários títulos que citei como ótimos filmes vistos não estão entre os 14 finalistas ao prêmio. Ano passado, por exemplo, o vencedor foi Cinema, Aspirinas e Urubus, primeiro filme de Marcelo Gomes, também pernambucano. Pernambuco presente em duas premiações seguidas da Mostra SP, além da pernambucana Hermila Guedes elogiadíssima por toda a imprensa pela sua bela atuação em O Céu de Suely, é motivo de muito orgulho, sem bairrismo, desse web-cinéfilo recifense que você lê.

Entre uns 15 filmes que ainda vou comentar aqui no Blog, está um dos meus preferidos dessa Mostra, o italiano Anche Libero Va Bene (ou Líbero Também é Legal), que concorreu ao prêmio oficial. Dirigido e estrelado pelo ainda jovem Kim Rossi Stuart, 38 anos (de As Chaves de Casa, no Top Ten Kinemail 2006), o filme é um poderoso drama familiar na tradição do melhor cinema italiano, que me levou desavergonhadamente às lágrimas. Com curiosos pontos em comum com o nacional O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias (estreando hoje em todo o Barsil), é sobre o rito de passagem da infância para a adolescência de um garotinho que quer jogar futebol. Anche Libero Va Bene certamente será comprado para o Brasil. Não perca. Entre os filmes que ainda irei comentar, acesse o Kinemail Blog diariamente e leia meus comentários sobre Edmond, Síndromes e Um Século, Um Dia de Verão, As Leis de Família, Taxidermia, Antonia, Juventude em Marcha, C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor, O Futuro do Design e outros filmes que tive o prazer de ver na 30ª Mostra Internacional de Cinema e faltou tempo para parar no computador e escrever.

Para quem está em São Paulo, fique atento à terceira semana da Mostra, com uma seleção de reprises dos filmes mais vistos e comentados que ainda estão com as cópias disponíveis para exibição, até a próxima quinta 09, confira programação no site oficial www.mostra.org Segue a lista dos premiados oficias da Mostra 2006:

Prêmio do Júri – Melhor Filme:
O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia (Brasil)

Prêmio Especial do Júri:
O Violino, de Francisco Vargas (México)
com menção especial para o ator Don Angel Tavira

Prêmio do Júri - Melhor Ator:
Adel Imam, por O Edifício Yacoubian (Egito)

Prêmio do Júri - Melhor Atriz:
Maria Lundqvist, por Minha Vida sem Minhas Mães (Finlândia)

Prêmio do Júri – Menção Honrosa:
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer (Brasil)

Prêmio Petrobras Cultural
Melhor Filme Brasileiro de Ficção (voto do público):
Antonia, de Tata Amaral
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer
Melhor Documentário Brasileiro(voto do público):
Fabricando Tom Zé, de Décio Matos Jr.

Prêmio do Público
Melhor Longa Estrangeiro de Ficção:
Rosso Come Il Cielo, de Cristiano Bortone (Itália)
Melhor Documentário Estrangeiro:
Uma verdade Inconveniente, de Davis Guggenheim (EUA)

Prêmio da Crítica
Categoria Internacional:
Hamaca Paraguaya, de Paz Encina (Paraguai/França/Argentina/Holanda)
Prêmio da Crítica – Categoria Nacional:
O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia (Brasil)

terça-feira, outubro 31, 2006

Shortbus: Sexo é política


Sexta-feira, 27 - SHORTBUS

Sexta-feira, meia-noite, sessão lotada para o filme que prometeu e cumpriu ser um dos poucos títulos polêmicos dessa Mostra, Shortbus, o novo filme de John Cameron Mitchell, diretor, roteirista e ator do excelente Hedwig - Rock, Amor e Traição (2000). Shortbus é mais um projeto do que um filme acabado. Depois de Hedwig, Mitchell começou a desenvolver um projeto de um leve e bem humorado filme sobre a sexualidade contemporânea. A idéia era juntar novos e corajosos atores que, princípio básico do filme, não tivessem problemas em fazer sexo real diante das câmeras. De várias experiências recentes, como Romance, The Brown Bunny e Nove Canções, Shortbus é não só o que funciona melhor como também o mais escancaradamente explícito. Os minutos iniciais, que apresentam alguns dos personagens, é uma espécie de teste com a platéia: ereções, penetração, ejaculações e auto-felação explícitos são exibidos sem rodeios e, principalmente, com um humor quase infantil, deixando claro que, mesmo nas cenas de orgias caligulescas, a proposta não é chocar, mas devolver ao sexo pós-AIDS, pós-11 de Setembro e pós-Bush a alegria, o prazer, a isenção de culpa cristã. Não é pouco. E o filme dá o seu recado com graça e honestidade, a partir de seus personagens centrais: um casal hetero em que a mulher não alcança o orgasmo, um casal gay em crise que quer abrir a relação para mais um parceiro, um voyer tímido que brecha pessoas transando com uma luneta e uma solitária garota que faz programas sadomasoquistas.

A proposta leve e lúdica de olhar relacionamentos sexuais variados (mas predominantemente homossexuais) é evidente nos belos planos com uma Estátua da Liberdade e uma maquete de Nova York em papel-machê colorido, que pontuam a trama, conduzindo o espectador para os vários apartamentos onde moram os personagens e para o Shortbus, espécie de bar artístico sexual, onde as pessoas podem apresentar suas músicas, poesias, procurar parceiros sexuais e, se quiser, transar ali mesmo, na frente de todos, num ideal neo-hippie de realizar prazeres sexuais sem barreiras. Bem conduzido no início, o desenvolvimento emocional dos personagens não foge muito dos clichês das comédias românticas tradicionais e o desfecho (uma celebração coletiva, com música e todos os personagens com seus probleminhas sexuais parcialmente desencanados) me pareceu frágil diante da proposta inicial razoavelmente ambiciosa. Se como filme Shortbus está longe da perfeição, como projeto é válido, politicamente necessário, subversivo e vital no cinema moderno. Não há como negar que o momento mais político dessa Mostra provavelmente será a cena de Shortbus em que três rapazes gays (protagonistas principais) transam juntos explicitamente cantando o Hino Nacional dos EUA usando você-imagine-o-que como microfones... Essa forma de patriotismo George W. Bush e a América carola não aprovariam. Amém. Infelizmente, Shortbus ficará limitado ao circuito 'cabeça', GLS, moderninho e será ignorado pelo grande público. Ao menos, foi eleito oficialmente pelo público da Mostra SP como um dos 14 melhores filmes, leia abaixo.

14 filmes concorrem ao prêmio oficial da Mostra SP

A coordenação da 30ª Mostra SP divulgou a lista dos filmes em competição mais bem votados pelo público. Realmente, é filme demais pra ver. Desses 14 escolhidos pela votação do público (não é exatamente o melhor parâmetro de qualidade dos filmes...), eu só vi dois. Ainda verei mais um, com ingresso já agendado. A impressão geral dos jornalistas foi de que os títulos foram muito conservadores, com exceção do ousado Shortbus (que comento a seguir). Particularmente, não entendo como um filme apenas correto como O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias está na lista e O Céu de Suely não. Apesar de serem filmes um tanto 'difíceis' para o grande público, os meus preferidos até agora estão todos fora dessa lista: A Última Noite, Flandres, Eu Não Quero Dormir Sozinho, Fora do Jogo, O Labirinto do Fauno, Síndromes e um Século, Honor de Cavalleria, A Scanner Darkly e O Céu de Suely.

O vencedor será conhecido na cerimônia de encerramento da Mostra, nessa quinta 02 de novembro. Segue a lista oficial:

A Batalha de Paris, França, de Alain Tasma
Amu, EUA/Índia, de Shonali Bose
Anche Libero Va Bene, Itália, de Kim Rossi Stuart
Coisas que o Sol Esconde, Israel, de Yuval Shafferman
Go Etxebeste!, Espanha, de Asier Altuna e Telmo Esnal
Minha Vida sem Minhas Mães, Finlândia, de Klaus Härö
Noel–Poeta da Vila, Brasil, de Ricardo van Steen
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Brasil, de Cao Hamburger
O Cheiro do Ralo, Brasil, de Heitor Dhalia
O Edifício Yacoubian, Egito, de Marwan Hamed
O Violino, México, de Francisco Vargas
Os 12 Trabalhos, Brasil, de Ricardo Elias
Qué Tan Lejos, Equador, de Tania Hermida
Shortbus, EUA, de John Cameron Mitchell

Philip K. Dick por Richard Linklater


Sexta-feira, 27 - A SCANNER DARKLY

Depois de realizar o experimento de animação digital sobre filme real em Waking Life (2001), Richard Linklater repete a técnica e vai além com o novo A Scanner Darkly. Depois de ser popularizado em filmes como Blade Runner, Total Recall e Minority Report, o escritor e visionário Philip K. Dick (1928-1982) encontrou em Linklater a sua mais perfeita tradução para as telas de cinema com a adaptação de seu conto de 1973, incrivelmente sintonizado com o mundo estranho em que vivemos atualmente. A Scanner Darkly é ambientado num futuro próximo, em Los Angeles, quando os EUA perderam a guerra contra as drogas. Neste cenário, um policial (Keanu Reeves) é um dos muitos agentes que cederam ao vício de uma popular substância química, que divide a personalidade dos usuários em duas. Não há exatamente uma história para acompanhar. A base da narrativa do filme, o traço mais forte da literatura de Philip K. Dick, são os estados alterados da mente, a linha tênue que separa a realidade das suas distorções, sejam por meio de drogas ou paranóia, esquizofrenia, psicose e outras patologias.

Além do desenho lindo de se ver, a técnica utilizada aqui é design e também conteúdo: com A Scanner Darkly, Linklater deixa bem claro porque escolheu essa técnica. Senti uma certa decepção da platéia jovem, antenada com o mundo virtual, que esperava algo mais 'viajado' na tela. Muito pelo contrário, Linklater tira partido da 'irrealidade' do desenho animado para causar estranhamento com uma narrativa com os dois pés fincados no cotidiano banal. Os personagens são pessoas normais, os objetos dos cenários são perfeitamente familiares com o mundo de hoje e as cenas acontecem de forma natural (já que são filmadas inicialmente com os atores reais). Cenas de sexo, caminhadas na rua, encontros de turmas em apartamentos mundanos regados a cerveja, cigarro e conversa fiada, tudo acontece sem nenhum delírio visual. O efeito é muuuito estranho, ainda por cima com a excelente trilha sonora do Radiohead e Thom Yorke dando o clima. O elenco, com freaks de Hollywood como Woody Harrelson, Winona Ryder e Robert Downey Jr., também não está em A Scanner Darkly por acaso. Como visual explicitamente futurista, temos apenas o disfarce dos policiais informantes, uma esquisita roupa mutante que altera continuamente o visual do sujeito, parecendo uma materialização literal de esquizofrenia, com rostos e roupas em constante mutação, e alguns gadgets já banalizados no mundo atual.

Depois de Dazed and Confused (lançado enfim em DVD no Brasil como Jovens, Loucos e Rebeldes), Antes do Amanhecer, Waking Life, Escola de Rock e Antes do Pôr-do-Sol, Richard Linklater firma-se como o nome mais coerente e inteligente do cinema pop americano. Junto com A Scanner Darkly, ele realizou ainda em 2006 Fast Food Nation (que também deveria estar nessa Mostra, mas ficou de fora de última hora). Ambos já estão comprados para o Brasil, mas parece que A Scanner Darkly sairá direto em DVD. Sorte tive eu de assistí-lo na tela de cinema nessa Mostra SP.

Ben Affleck, melhor ator em Hollywoodland


Sexta-feira, 27 - HOLLYWOODLAND - BASTIDORES DA FAMA

Apesar de entrar em breve no circuito comercial, não pude deixar de conferir Hollywoodland - Bastidores da Fama numa sessão matinal de cabine para imprensa. O filme é um bom drama noir sobre o pouco esclarecido suicídio do ator George Reeves, o primeiro Superman do seriado de TV, em 1959. O filme parte da investigação por conta própria do detetive Louis Simo (Adrien Brody) sobre o caso. Louis descobre que Reeves mantinha um caso com a esposa (Diane Lane) de um produtor de Hollywood que lhe abriu as portas para a fama e começa a imaginar uma trama de assassinato passional do ator. Nem precisa dizer que, recentemente, lembramos logo de Dália Negra, de Brian De Palma. O formato de Hollywoodland é mais convencional e, dentro de suas pretensões, é um filme melhor. Vindo da TV, o diretor Allen Coulter dirigiu episódios de Arquivo X e Os Sopranos e estréia bem no cinema. Deve render indicações ao Oscar.

Hollywoodland deveria chamar-se Truth, Justice and The American Way, o lema do Homem de Aço. Mas, no mesmo ano de Superman Returns, a Warner vetou o título, que foi trocado para remeter mais a Hollywood do que ao Superman. O filme chamou atenção por ter vencido o prêmio de melhor ator para Ben Affleck no prestigiado Festival de Veneza desse ano. Com uma carreira praticamente enterrada em Hollywood, vindo de um filme ruim atrás do outro e péssimas atuações, Ben Affleck tem aqui uma oportunidade de renascer em Hollywood. O prêmio é, ao certo, um exagero, pois sua participação é coadjuvante. E sua atuação não chega a impressionar. Ironicamente, ele está muito bem no papel por George Reeves ter sido um ator medíocre que sonhou alto demais em Hollywood. Antes de suicidar-se (o filme não levanta nenhuma prova de possibilidade de assassinato), Reeves estava deprimido e queria tornar-se diretor, visto que sua carreira como ator ficou amaldiçoada pela estampa do Superman, adorado pelas crianças americanas noa anos 50, incluindo o filho do detetive Louis Simo, separado da mulher (Molly Parker), num típico papel de detetive noir decaído.

Hollywoodland - Bastidores da Fama (que subtítulo horrível!) garante uma boa sessão de cinema e, para cinéfilos, oferece um painel muito interessante da Los Angeles dos anos dourados e entrelinhas sombrias, com curiosidades como saber que George Reeves foi rejeitado do cast de A um Passo da Eternidade por ter provocado risos da platéia-teste, que não conseguia ver o Superman em qualquer outro personagem.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Filme argentino televisivo


Quinta-feira, 26 - SOLOS

Dia de chegada de amigos de Recife atrapalha minha programação. Só deu pra ver um filme, numa última sessão do CineSesc. Filme argentino Solos, achei que não tinha como errar, devido à qualidade média altíssima do novo cinema argentino. Errei feio. Solos já é um dos piores filmes que vi nessa Mostra. Uma pena, porque o argumento é até legal. Como uma espécie de Brokeback Mountain ao contrário, o filme é sobre dois homens na faixa de 40 anos. Um deles é publicitário e mulherengo, eternamente solteiro. O outro, casado e pai de dois filhos, está se separando e passa por dificuldades financeiras. Resolvem morar juntos e, depois de tomarem uma cerveja num bar gay por engano, começam a perceber a possibilidade de viverem, de fato, juntos. Lembra bastante Beijando Jessica Stein, onde duas garotas forçavam a barra para tentar um relacionamento lésbico. Em Solos, os dois homens dividem o lar, as visitas de prostitutas, o domingão com os filhos e descobrem que, da teoria à prática, ser gay não é só questão de opção. Por carência afetiva, talvez eles estejam apenas confundindo uma verdadeira amizade por viadagem.

Poderia ser um filme simpático, mas Solos afunda na linguagem televisiva, roteiro esquemático, excesso de diálogos explicativos forçados, pobreza visual (o apartamento transado do publicitário parece cenário de novela da Globo). A linguagem é tosca, com montagem óbvia, desleixada e, pior, o filme nunca decide se quer ser um melodrama, uma comédia grosseira ou uma crônica de uma bela amizade. A direção é de José Glusman, que parece ter tomado aulas de cinema com Daniel Filho... A biografia de Glusman explica: é diretor de teatro, programas de TV e campanhas publicitárias. O que quase salva o filme é o ator Sergio Boris (de O Abraço Partido), um tipo boêmio à Otávio Augusto, responsável pelos poucos momentos realmente divertidos da fita. De forte apelo comercial, Solos deverá ser comprado para o Brasil.

Electroma retrô do Daft Punk


Quarta-feira, 25 - ELECTROMA

Dei uma pausa na Mostra nessa quarta para conferir uma estréia nos multiplexes locais. Pequena Miss Sunshine entra em breve no circuito em Recife e já está em cartaz aqui, quando as distribuidoras aproveitam o hype da Mostra para exibir filmes comerciais com um certo charme 'cabeça'. O filme é uma boa comédia, com um elenco impagável (Toni Collette, Steve Carell, Alan Arkin), cotada para o Oscar. Leia mais em breve no Kinemail. Voltemos à Mostra SP:

Falando em hype, a sessão concorrida dessa quarta é a estréia de Electroma, o primeiro longa da dupla de músicos franceses Daft Punk, ou Guy Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter. Sessão lotada de 'muderninhos', digna de tirinha de Angeli, alguns espectadores sequer sabiam que o filme não tinha trilha sonora da dupla, informação bem divulgada nos programas e jornais. O filme é um projeto conceitual bastante coerente com o trabalho musical e de videoclipes da dupla (que está atualmente aqui para shows no TIM Festival), mas me pareceu insuportavelmente longo, com 74 minutos de duração, para contar a odisséia de dois robôs (os próprios diretores-atores) tentando tornarem-se humanos. Road movie futurista, sem diálogos, o filme pode ser resumido em dez ou doze cenas básicas, conduzidas com excelente intervenções de música pop de Brian Eno, Curtis Mayfield e Todd Rundgren, e eruditas de Franz Joseph Haydn e Chopin.

A influência mais óbvia vem do clássico THX-1138, estréia de George Star Wars Lucas (1971), que define o tom setentão do design de Electroma. Percebi ainda umas sacadas chupadas de Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni, clara influência também na narrativa pontuada pela incomunicabilidade e melancolia. A imprensa também comenta a influência de Gerry (que eu não vi), de Gus Van Sant, o filme-irmão de Elefante. Ao final da sessão, fica a impressão de uma curiosa e válida experiência cinematográfica mas também a decepção por ser apenas uma diluição, um filme-homenagem, que não tem muito a acrescentar e, embora seja graficamente fascinante, esvai-se rápido da mente. Melhor rever o emblemático THX-1138, especialmente na luxuosa edição em DVD duplo lançada no Brasil.

Quinceañera em Echo Park, Los Angeles


Quarta-feira, 25 - MEUS 15 ANOS

Alguns filmes precisam seu apresentados dentro de um contexto para entender a sua boa repercussão em festivais de cinema. Meus 15 Anos (Quinceañera, 2006) é um deles. O filme, aclamado no último festival de Sundance, com prêmio especial do júri e prêmio do público, é dirigido pela dupla Richard Glatzer e Wash Westmoreland. Filmes dirigidos por duplas são raros. Por casais, mais ainda. Por um casal homossexual, então... raro mesmo. Considere ainda que um deles, o inglês Wash Westmoreland, veio da estigmatizada indústría pornô de Los Angeles. Considere mais ainda que Westmoreland dirigiu alguns filmes pornográficos gays (ramo mais marginal do gênero) e é algo notável que ele tenha conseguido migrar tão bem para o cinema convencional, sinal de que existe talento e competência trabalhando, por falta de melhores oportunidades, no lucrativo mercado pornô norte-americano. Bem, essa informação prévia é o que Meus 15 Anos tem de mais interessante.

O filme foi rodado em esquema cooperativo independente no bairro pobre e latino de Echo Park, nos arredores de Los Angeles, com amigos emprestando locações, usando figurino pessoal e atuando em pontas coadjuvantes, e conta a história da festa de 15 anos de Magdalena (Emily Rios), filha mais nova de uma família mexicana religiosa. Grávida do namorado, apesar de não terem consumado relação sexual completa, ela permanece tecnicamente virgem mas é expulsa de casa pelo pai, dias antes da festa de debutante, a Quinceañera do título original. Magdalena vai morar com o tio-avô Tomas (Chalo González, excelente) e o primo Carlos (Jesse Garcia), rejeitado pela família por ser gay, tabu ainda forte na tradicional família mexicana. Longe do estereótipo gay afetado, Carlos é um típico rapaz latino pobre, que sobrevive trabalhando como lavador de carros e comentendo pequenos roubos, e se envolverá com um casal de gays brancos, seus vizinhos, numa subtrama dispensável. Enquanto segue como crônica do cotidiano sofrido dessa família alternativa de perdedores do 'sonho americano', Meus 15 Anos é uma fita cativante, bonita de ver. Infelizmente, rumo ao final, o roteiro se perde nos chichês novelescos mais comuns do cinemão americano, que comprometem a honestidade e naturalidade do filme. Ainda assim, Meus 15 Anos merce atenção, pelo retrato fiel dessa 'outra vida americana'. O personagem Tomas é inspirado no avô do próprio co-diretor Westmoreland, ao qual o filme é dedicado.

A vida real e um golaço iraniano


terça-feira, 24 - A VIDA REAL ESTÁ EM OUTRO LUGAR

Mais um pequeno filme charmoso, desses que certamente só serão exibidos nessa Mostra e não serão lançados comercialmente no Brasil. A Vida Real Está em Outro Lugar é dirigido pelo jovem diretor franco-suiço Frédéric Choffat, já experiente em curtas e documentários. O filme inicia com um belo e fluido plano-sequência acompanhando três personagens de partida numa estação de trem em Genebra. Cada um seguirá destino distinto. Uma garota italiana está mudando-se de volta para Nápoles e fará amizada com um veterano funcionário da linha. Outra mulher, uma executiva, está a caminho da França, para uma conferência de trabalho e irá envolver-se com um estranho, sem dinheiro nem documentos, que terá sua viagem paga por ela. O terceiro personagem é um jovem que está a caminho da Alemanha, para ver seu filho recém-nascido. Ficará preso numa estação, onde conhecerá uma garota errante. Sem muitas novidades, o filme é bem dirigido, tem um bom cast de atores desconhecidos e desenvolve bem suas pequenas historinhas, que evitarão julgamentos e soluções óbvias de quem sejam essas pessoas. O jovem sem documentos nem dinheiro, por exemplo, entra e sai de cena sem muitas explicações. O filme não escapa de alguns clichês de roteiro sobre encontros casuais, mas é bonito, filmado com algum coração e honestidade, impossível falar mal de uma fita simpática como essa.

terça-feira, 24 - FORA DO JOGO

Pra última sessão dessa terça dei uma chance ao cinema iraniano, tão festejado nos anos 90 (com filmes realmente excelentes) mas fora do hype cinéfilo nos últimos anos. Escolhi Fora do Jogo (Offside, 2006), a mais recente fita de Jafar Panahi, autor de um dos primeiros sucessos do cinema iraniano no Brasil, O Balão Branco (1995), também seu primeiro filme. Dele também são O Espelho e O Círculo. O que me encanta mais no cinema feito no Irã é a capacidade espantosa que seus roteiristas e diretores têm de fazer um filme coeso, bem resolvido, a partir de pequenas histórias cotidianas que muitos acreditariam não ser suficiente nem pra um curta metragem. Fora do Jogo conta a história de seis garotas tentando entrar no estádio onde acontece o jogo que classificará o Irã para a recente Copa do Mundo 2006. No Irã, entre outras regras sociais, as mulheres são proibidas de assistir jogos de futebol nos estádios.

De forma absolutamente natural, sem forçar a barra da 'mensagem política', Panahi acompanha de forma ágil e documental (se não me engano, o filme foi rodado literalmente durante a tal partida de futebol, o que confere o seu incrível realismo) a trajétória dessas garotas que conseguem furar as catracas de entrada mas são barradas no caminho para as arquibancadas por um grupo de seguranças militares. Fora do Jogo é um exemplo de cinema instigante, inteligente, que nunca põe o discurso acima da ação, nunca segue o caminho mais esperado, que está sempre dois passos a frente do espectador e, por isso, torna-se empolgante.

Com humor nas discussões entre as garotas e os jovens seguranças, com inocência irmanada nas horas decisivas do jogo e momentos de surpreendente suspense quando um segurança procura nos banheiros do estádio uma garota fugitiva, Fora do Jogo é um filme completo, sem uma nota fora do lugar, que caminha para um final de grande beleza, quando as meninas são levadas pelos seguranças num furgão, junto com um garoto com fogos de artifício (também proibidos no estádio) e a cidade em festa pela classificação do Irã. São 90 minutos de puro cinema, o primeiro filme dessa Mostra em que eu acompanhei a salva de palmas ao final da sessão. Já comprado para o Brasil, não perca. Aliás, que vergonha que o cinema brasileiro nunca tenha feito nada em cinema sequer parecido com esse filme iraniano sobre essa nossa chamada ´paixão nacional'...

sexta-feira, outubro 27, 2006

A arquitetura de Frank Gehry

Terça-feira, 24 - ESBOÇOS PARA FRANK GEHRY

Além de filmes de ficção, documentários sempre foram fortes na Mostra SP, numa variedade enorme de temas. Arquitetura está presente com um documentário sobre Oscar Niemeyer e esse sobre o americano Frank Gehry, um dos maiores nomes da arquitetura atual, autor do impressionante projeto do Museu Guggenheim, em Bilbao e tantas outras edificações emblemáticas da arquitetura moderna. Gehry escolheu o renomado diretor de Hollywood Sydney Pollack para dirigí-lo, por ser um outro artista criador e por ser leigo em arquitetura. Esboços para Frank Gehry foi filmado em digital e tem narrativa clássica no gênero. Apresenta as obras, uma breve biografia do entrevistado e um bate-papo reflexivo com o amigo Pollack, depoimentos de clientes e admiradores como Dennis Hopper e Julian Schnabel. Fascinante é a apresentação do seu método de trabalho, a partir de maquetes de papelão e de seu amplo escritório, onde um punhado de jovens artistas desenvolvem e tornam realidade os projetos mirabolantes desse senhor genial que admite ser ambicioso e ter um ego enorme mas comporta-se com humor, sabedoria e modéstia diante da importância de seu trabalho.

Nip Tuck do coreano Kim Ki-Duk


Terça-feira, 24 - TIME

Kim Ki-Duk virou um queridinho da crítica especializada e dos seletos consumidores de 'cinema de arte' aqui no Brasil, com o sucesso de Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (2003) e A Casa Vazia (2004). Gosto do primeiro e acho o segundo um tanto afetado. Esse novo Time veio confirmar minha desconfiança do cinema 'moderno' desse diretor asiático. Curiosamente, o ponto de partida da trama me lembrou muito a série de TV Nip Tuck, que assisto fielmente. Time começa com um casal jovem e bonito em crise de namoro. Ela, ao passar na frente de uma clínica de cirurgia plástica, esbarra numa mulher que acaba de sair, com o rosto coberto por máscara e óculos escuros. Decide então mudar de rosto. Antes que o doutor pergunte (como o Dr. Troy de Nip Tuck, iniciando sempre os episódios da série com a pergunta What you don't like about yourself?), ela explica que não quer ficar mais bonita, quer sim um novo rosto. Time quer filosofar sobre a questão da relação do homem com a imagem, o vazio da sociedade capitalista, crise de indentidade etc, mas é muito superficial, esteticamente afetado e até ultrapassado na sua proposta 'artística'.

Dessa vez há bastante humor em cena e o filme torna-se divertido e agradável de ver até para o público médio. Infelizmente, o humor fica entre o engraçado e o ridículo, já que o filme dá voltas e revivoltas, sem saber direito onde quer chegar. Em resumo, um blefe de autor. É o tipo de filme onde os casais encontram-se 'poeticamente' num parque de esculturas eróticas, cheio de significados simbólicos, e a direção de fotografia é linda, com composição de cores e texturas para encantar os admiradores desse tal 'cinema de arte'... Promete novo sucesso de Kim Ki-Duk no circuito alternativo.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Indie legal com Ryan Gosling


Segunda-feira, 23 - HALF NELSON

Pra encerrar a segunda-feira, escolhi Half Nelson, filme do estreante Ryan Fleck. Desde que ouvi falar dessa fita, nos festivais de cinema americano independente, fiquei a fim de ver pela presença do jovem e carismático ator canadense Ryan Gosling (Cálculo Mortal, Tolerância Zero, Diário de uma Paixão) como protagonista. E sua atuação é mesmo o melhor motivo pra ver o filme. Pra saber o que significa o título, tive que dar uma busca no Google... Half Nelson é um golpe de luta livre em que o sujeito fica paralisado por uma chave de braço do adversário.

O filme é sobre Dan, um professor de História numa escola secundária para alunos pobres (maioria negros e latinos) do Brooklin. Ele estimula o ensino fora dos padrões convencionais, provocando o raciocínio dos jovens para interessarem-se politicamente na questão do racismo nos EUA. Dan é também um idealista fracassado, que mora só e se afunda em bebida e drogas pesadas. Um dia uma de suas alunas, a negra adolescente Drey (Shareeka Epps), o flagra drogando-se no banheiro da escola. Drey também está inevitavelmente ligada ao tráfico de drogas, na área pobre em que vive.

A cumplicidade entre esses dois losers da América será o eixo da narrativa, que fica no meio do caminho entre o discurso politicamente correto (há ótimas inserções de famosos casos de preconceito racial e sexual da História americana, em trabalhos de sala de aula) e o desenvolvimento dessa delicada relação entre um professor branco e uma aluna negra, numa ambiente adverso em vários níveis. Os personagens são vividos com brilho tanto por Ryan Gosling quanto pela novata mirim. Half Nelson é uma boa estréia de Ryan Fleck, que evita julgamentos maniqueístas mas também não chega a tocar nas questões de forma mais profunda ou provocante. Mais um pequeno filme americano independente, correto e competente, onde as maiores qualidades estão no roteiro bem amarrado e na direção de atores. Tem cheiro de Oscar, deve ser lançado comercialmente em breve.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Guillermo del Toro fantástico


segunda-feira, 23 - O LABIRINTO DO FAUNO

Depois de aventurar-se nos blockbusters americanos (com os bons Blade 2 e Hellboy), o mexicano Guillermo Del Toro volta às origens e realiza na Espanha o excelente O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno), um brilhante exercício de cinema fantástico que faz uma inteligente fusão do universo infantil com o horror da realidade da ditadura militar na Espanha, em 1944. Durante a Guerra Civil espanhola, uma viúva grávida do segundo filho (Maribel Verdu, de E Sua Mãe Também) casa-se com um capitão do exército (o excelente Sergi López, de Uma Relação Pornográfica), por falta de condições financeiras de sustentar a filha (Ivana Baquero), que será a protagonista dessa viagem fantástica que leva a Fantasia para o lugar que ela merece no Cinema.

O paralelo entre o horror real da guerra e o mundo fantástico que a garotinha terá que enfrentar chega a ser didático de tão bem narrado. Muito violência explícita (da guerra) é alternada com momentos sombrios de conto de fadas, onde encantam os monstros, fadas e especialmente o Fauno, com tecnologia digital e efeitos artesanais de maquiagem. Fiquei absolutamente fascinado do início ao fim do filme, um exemplo de que o cinema comercial pode gerar produtos inteligentes e, sim, de qualidade autoral. Roteiro, direção de arte, montagem, beiram a perfeição formal nesse filme de Guillermo del Toro que, como diz a própria frase publicitária do cartaz, mostra que 'A inocência de uma criança é mais poderosa do que o Mal pode imaginar'. Fãs do cinema fantástico, não percam O Labirinto do Fauno, grande filme, breve num multiplex perto de você.

Dama na água alemã e doce filme chinês


Segunda-feira, 23 - AQUANITIS

Começando a segunda-feira cedo, consegui ver 4 filmes num dia só. Essa é a meta, mas é difícil. Tem que arrumar tempo pra comer, ir ao banheiro e escrever no blog, ao menos eh eh Pelo simples fato de ser um filme curto, com 78 minutos, optei por abrir a semana com um obscuro filme alemão, Aquanitis, realizado em digital, que concorre oficialmente na Mostra na seleção novos diretores, no caso o alemão Peter Mahlknecht, também ator e documentarista, aqui em seu primeiro trabalho como diretor em ficção. O filme conta a história de Vinzenz, um empresário alemão que tem um irmão artista, escultor. Vinzenz vive estressado e sofre um derrame. Após recuperar-se, ele passa a ter uma estranha obsessão por água e acredita ter encontrado uma ninfa mítica e nua, Aquana, que persegue em lagos e represas.
O que o filme tem de curioso é uma semelhança com A Dama na Água de Shyamalan. Mas em Aquanitis a relação do protagonista com a ninfa é mais direto, focado no desejo sexual, na busca da felicidade, do amor perfeito. Bem realizado, Aquanitis daria um interessante curta metragem. Tanto que, com apenas 78 minutos, revela-se vazio e tolo. Curiosidade de Mostra, não deverá ser lançado comercialmente no Brasil.

Segunda-feira, 23 - FICA COMIGO

Um dos filmes mais festejados pela crítica local é o bonito Fica Comigo (Be With Me), de Eric Khoo. Seria o indicado de Cingapura para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro, mas foi desclassificado por ser falado em inglês. O filme adota o já repetitivo formato de roteiro em que várias pequenas historinhas tocam-se em algum ponto da narrativa. Temos um senhor desencantado após a morte da esposa, duas garotas que conhecem-se pela internet e vivem um inocente paixão lésbica, e um segurança gordo que segue obsessivamente uma bela executiva da empresa onde trabalham. No atual panorama de incomunicabilidade das pessoas num mundo com excesso de informação e contato virtual, Fica Comigo não promoverá a união entre os pares. Muito pelo contrário, fatos inusitados concluirão as histórias de forma um tanto triste e melancólica. O diferencial do roteiro é incluir uma quarta história, esta baseada na vida real de Theresa Chan, uma cativante velhinha surda e cega desde os 14 anos, que interpreta a si mesmo no filme e intercala as outras histórias com seu relato de coragem, vontade de viver e superação de árduas adversidades. É bonito e honesto, mas fica a um passo da pieguice edificante, podendo ser visto equivocadamente como um 'filme de auto-ajuda'. Não é, mas chega perto.

terça-feira, outubro 24, 2006

50 fãs filmam os Beastie Boys


Domingo, 22 - NOSSA, EU FILMEI ISSO!

Com apresentação marcada no Rio e em Curitiba, no TIM Festival, aqui em São Paulo os Beastie Boys não irão fazer show. Ótima oportunidade para os fãs do trio novaiorquino é assistir Nossa, Eu Filmei Isso! (Awesome, I Fuckin' Shot That!), registro de 90 minutos de um show no Madison Square Garden, Nova Iorque, dirigido pelo beastie boy Adam Yauch, ou MCA, aqui sob o pseudônimo de Nathanael Hornblower. A idéia da equipe para filmar o show de modo não muito tradicional foi distribuir 50 câmeras de vídeo com fãs na platéia. A lei era de que cada fã deveria filmar o show inteiro, sem desligar a câmera, com total liberdade. O show foi gravado também num formato mais, digamos, profissional e o desafio dos editores foi montar o material na sala de edição alternando as duas linguagens. O resultado prometia caos visual. E é o que está na tela, só que da maneira mais feliz possível. O segredo é que a proposta do filme é a cara do estilo da sonoridade urbana e do espírito da banda. Para fãs (como eu), o deleite é total. Funciona ao mesmo tempo como estar num show ao vivo e brincar na frente do computador editando o show de forma amadora mas totalmente entrosada com o feeling da banda.

Algumas curiosidades: durante uma música, um dos câmeras deu uma chegada no banheiro. A edição resolveu aproveitar o material, até os detalhes da descarga na bacia sanitária. Hilário. Na platéia absurdamente variada (brancos, negros, crianças, hipongas, metaleiros etc etc), a presença do ator Ben Stiller. Na parte mais calma do show, um chill out instrumental, a banda armou um cenário que parecia um desses palcos cafonas de show em cruzeiro marítimo e tocaram vestidos com estilosos paletós azuis. Por fim, encerraram o show com a envenenada Sabotage, dedicada ao senhor George W. Bush. A platéia delirava. Nova Iorque não é os Estados Unidos da América, definitivamente. E Nossa, Eu Filmei Isso! não é só um documentário sobre um show dos Beastie Boys. É um manifesto visual e sonoro totalmente do bem. Nossa, eu assisti isso!

Viva o amor e o cinema


Domingo, 22 - EU NÃO QUERO DORMIR SOZINHO

Que beleza ver um filme tão alto-astral numa manhã de domingo! Eu Não Quero Dormir Sozinho (Hei Yan Quan/I Don't Want to Sleep Alone) pode ser resumido com precisão no seu título. É o nono filme do chinês Tsai Ming-Liang e uma sinfonia de imagens e sons para celebrar a beleza do amor, em todas as suas variáveis. Depois de O Gosto de Melancia, era de se esperar uma nova excentricidade do diretor, mas seu novo filme retoma o minimalismo e objetividade narrativa de suas primeiras obras, como O Rio (1997) e, principalmente, Vive L'Amour (1994), com o qual tem em comum um triângulo de personagens, espaços arquitetônicos abandonados e uma sensualidade física incomum. Aqui, um sem-teto, depois de levar uma surra de marginais, é resgatado das ruas por um grupo de trabalhadores. Um deles, o solitário Rawang (Norman Bin Atun) irá cuidar do sem-teto (Lee Kang-Sheng, ator de vários filmes de Ming-Liang), oferecendo casa, remédios e dividindo a cama para dormir. Embora nada de sexual aconteça, estabelece-se um forte clima de desejo homossexual da parte do enigmático Rawang pelo desconhecido sem-teto.

Recuperado, o sem-teto volta a perambular pelas ruas e conhece uma garçonete (Chen Siang-Chyi), que ele começa a paquerar com insistência. A patroa da garçonete também se interessará pelo rapaz. Essa tragicômica ciranda de desejos acontece num ambiente físico miserável, que remete em vários momentos às nossas conhecidas periferias urbanas, com constante presença da água, elemento recorrente na obra de Ming-Liang e, nesse filme, de um nevoeiro que fará os personagens se desencontrarem em momentos de delicado efeito visual. De ritmo absurdamente lento, praticamente sem diálogos, filmado só com planos estáticos, as cenas exploram detalhes e requerem atenção do espectador em cada canto da tela, uma verdadeira reeducação do olhar. O cinema de Tsai Ming-Liang não é para qualquer público. Assistir a um filme dele equivale mais a ir à uma exposição de arte do que a uma sessão de cinema tradicional. É 'cinema de arte' sim, mas no bom sentido. Para quem já conhece o cinema desse chinês, Eu Não Quero Dormir Sozinho é mais um trabalho corente de um cineasta contemporâneo com um olhar muito especial sobre a solidão do ser humano urbano, difícil de ser analisado em palavras. Não perca.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Mais um filminho ianque independente...


Sábado, 21 - A SENSAÇÃO DE VER

Na noite de sexta, após a exibição de O Céu de Suely, não deu pra escapar da farra. Hermila Guedes, a estrela do filme, e muitos amigos pernambucanos encontraram-se no bar/boate Gloria. Resultado: 5 da manhã em casa... O sábado, assim, foi o tradicional 'ressaca e coca-cola'. Quando me animei pra ir ao cinema, já era noitinha. Só dava pra ver um filme e eu resolvi arriscar A Sensação de Ver (The Sensation of Sight), um entre vários dos filmes de diretores estreantes nessa Mostra. O filme é sobre um professor de literatura (David Strathairn, indicado ao Oscar por Boa Noite, e Boa Sorte) procurando entender o porquê do suícidio de seu filho caçula, que matou-se na sua frente. No formato de vários personagens interligados ao protagonista de forma 'inteligente', o roteiro acompanha a busca do professor pelo 'sentido da vida', com vinhetas literárias dividindo o filme em capítulos e um monte de personagens solitários, tristinhos, buscando conexão humana. O pai fica traumatizado 'fora do ar', perambulando pelas ruas vendendo volumes de velhas enciclopédias de porta em porta, o que o ligará aos vários personagens.

Diretor e roteirista estreante, Aaron J. Wiederspahn conseguiu um elenco de peso. Além de David Strathairn, temos Jane Adams (Felicidade, Garotos Incríveis) e os jovens Ian Somerhalder (LOST) e Daniel Gillies (Spider Man 2 e 3). A fita tem aquele tom 'mágico' e 'sábio' de algo que fala sobre coisas muito importantes na vida. Logo nos créditos iniciais, um longo plano estático, a autoria da trilha sonora é anunciada como 'música composta e executada por Fulano de Tal'. E essa trilha sonora será algo de muita relevância no filme inteiro... Haja paciência. É o tipo de filme oco, que confunde lentidão com profundidade, onde todo mundo fala baixinho e com o olhar perdido no horizonte. E os flashbacks serão em... oh, my god! preto&branco estiloso.

O garoto suicida aparece sempre em cena, ao lado do irmão mais velho (Ian Somerhalder), que não consegue superar o trauma. Num episódio do seriado A Sete Palmos, esse recurso visual 'poético' seria divertido, mas num filme tão 'sério' soa apenas como pretensão indie. O que impressiona mais é a falta de intimidade com cinema do diretor estreante. A Sensação de Ver (que ironia, com um título desses!) não sabe 'olhar' seus personagens. A direção de atores é teatral, tudo precisa ser falado ou descrito em narração em off, não há um momento que capte as emoções apenas no rosto ou expressão dos atores. É literatura, é teatro, e é muito pouco cinema. Há ainda citações ao A Felicidade Não Se Compra de Frank Capra (meu filme predileto?), exibido na TV e numa sequência final de epifania redundante. A Sensação de Ver foi o primeiro filme da Mostra que me deu a sensação de estar perdendo tempo quando poderia estar vendo outra fita mais interessante. Quis vaiar no final. O público aplaudiu, claro. A Mostra SP não é muito diferente do Cine PE...

domingo, outubro 22, 2006

O Céu de Hermila Guedes


Sexta-feira, 20 - O CÉU DE SUELY

O novo filme de Karim Aïnouz (de Madame Satã) saiu premiado do Festival do Rio e já foi comentado aqui no blog com elogios superlativos, por Carol Ferreira. Depois de dois filmes como A Última Noite e Flandres e muito expectativa (e vista cansada), assisti O Céu de Suely em sessão com presença da equipe do filme e alguns 'famosos' locais na platéia. Tudo isso poderia contribuir para eu 'torcer o nariz' para a aclamação geral do filme. Felizmente, isso não aconteceu. O Céu de Suely faz uma boa parelha com Cinema, Aspirinas e Urubus, como cinema de temática regional mas de alcance universal, centrado em personagens fortes e com roteiro simples, enxuto, mas nunca simplista. Tranquilamente, será um dos melhores filmes brasileiros da safra 2007, quando entrará comercialmente em cartaz.

O filme conta a história de Hermila (a pernambucana Hermila Guedes, excelente), garota do interior do Ceará, Iguatu, que fugiu apaixonada com o namorado para São Paulo. No início do filme, ela está voltando pra Iguatu com o filho bebê. Seu namorado, agora marido, chegará logo depois. Dias passam e Hermila compreende que seu marido não voltará. E o filme será sobre essa mulher, dolorosamente sozinha, sem conseguir se encaixar de volta naquele fim-de-mundo sem perspectivas, onde um antigo namorado João (João Miguel, de Cinema, Aspirinas... ) parece ser o ideal para um recomeço de vida. Mas Hermila não tem escolha. Sofrendo de amor na mais clássica tradução dessa expressão, só resta a Hermila partir. Sem dinheiro, ela tem a idéia de rifar o próprio corpo para apenas um felizardo, que receberá como prêmio uma noite no paraíso com Suely, nome que ela inventa para a rifa. Hermila não quer prostituir-se, mas apenas viabilizar sua saída de Iguatu, com uma passagem de ônibus só de ida para Porto Alegre, o mais distante destino da rodoviária local.

O Céu de Suely poderia contar essa história como uma novela, um melodrama, mas Karim escolhe o caminho mais rico dos silêncios, do não-dito, dos cortes precisos nos poucos diálogos e nos planos fechados no rosto de Hermila Guedes, de uma presença cênica espetacular. Não só Hermila, mas um conjunto de ótimas atrizes menos conhecidas dão a força do universo feminino desse conto da 'filha pródiga' que não se encaixa no pobre cinema que a Rede Globo está formando para o público atual. A cena final do filme, muito bonita, contradiz o clássico final feliz hollywoodiano mas, de certa forma, deixa o espectador feliz por Hermila ter, à sua maneira, conquistado a liberdade que escolheu. O Céu de Suely tem temática popular, fala de gente real, que reconhecemos na realidade brasileira das pequenas cidades e periferias urbanas, mas pode esbarrar num rótulo de 'cinema de arte' nacional que dificulte seu alcance com o grande público.

Bruno Dumont, o homem e a guerra


Sexta-feira, 20 - FLANDRES

Bruno Dumont chamou atenção na virada do milênio com o impressionante e inclassificável A Humanidade (L'Humanité, 1999), filme que só vi em DVD mas depois tive oportunidade de conferir no cinema Apolo. O filme só cresceu, confirmando ser uma obra que precisa ser vista no cinema. O ritmo, o uso do som, as largas imagens em CinemaScope não cabem numa TV. Duas cenas cruciais de A Humanidade (quando o protagonista 'flutua' sem tocar o chão e o longo plano da cena final) eu simplesmente não consegui ver/entender na TV. O filme seguinte de Dumont, o polêmico 29 Palms, não possou no Brasil. Consegui ver em DVD e achei decepcionante, fiquei pensando 'o cara é diretor de um filme só'. Engano meu.

Com Flandres (2006), Bruno Dumont volta à boa forma, embora parte da crítica tenha considerado o filme um tanto convencional, sem novidades. Aqui na Mostra, a oportunidade de ver o filme na tela grande foi atrapalhada por problema de desfoque nos vinte minutos finais, lamentável. Ao final da sessão, a certeza que Bruno Dumont é um dos nomes mais interessantes do cinema atual. O filme, muito simples, conta a história de um grupo de jovens moradores da cidade rural francesa Flandres (onde o diretor nasceu). Barbe (Adelaide Leroux) divide noites de cerveja, tédio e sexo com alguns rapazes da região. Três deles são convocados para a guerra. O filme acompanhará os rapazes na guerra (filmada na Tunisia) e, no estilo de Dumont, os momentos mais violentos não são caretas. Balaços secos na cabeça, crianças assassinadas e mulheres estupradas estão lá, mas sem concessões ao melodrama ou 'espetáculo' da violência. O tom é duro, a violência é real, feia.

O filme faz paralelo do horror da guerra com a vida de Barbe, que ficou grávida de um dos rapazes (com quem tinha uma relação mais carinhosa), o 'bonito' da turma. O protagonista Demester (Samuel Boidin), é o 'feio', considerado por Barbe apenas como um amigo. O filme não facilita qualquer empatia fácil pelos personagens. O cinema bem francês de Dumont não faz julgamentos, não delimita os bons e os maus. Apenas registra os fatos e seus personagens. Flandres ganhou o Grande Prêmio do Jurí em Cannes esse ano, não só pelo nobre humanismo de seu roteiro mas, acima de tudo, porque é cinema maior, aquele que fala poderosamente só com as suas imagens.

Mais um Robert Altman essencial


Sexta-feira, 20 - A ÚLTIMA NOITE

Havia prometido a mim mesmo evitar assistir aos 'medalhões' nessa Mostra e dar preferência aos filmes que provavelmente nunca entrarão em cartaz comercialmente no Brasil. Mas... como resistir a inaugurar a maratona com o novo filme do mestre Robert Altman? Não tem como. A Última Noite (A Praire Home Companion) é mais uma jóia de filme desse monstro sagrado do cinema americano. Sempre independente e autoral, o cinema de Robert Altman nunca foi pra todos os gostos e só consegue entrar no circuito devido aos maravihosos elencos que ele consegue reunir para seus filmes. A Última Noite narra, quase em tempo real, os acontecimentos de uma última noite de apresentação ao vivo de um tradicional programa de rádio, que dá o título original do filme. Como é um tremendo equívoco dizer que seu filme anterior De Corpo e Alma (The Company, 2003) era um filme sobre dança, também o será dizer que A Última Noite é sobre um programa de rádio. Um olhar menos bitolado logo verá que trata-se de um filme sobre a Vida, sobre o Tempo, como somente Robert Altman sabe filmar.

Passeando pelo auditório onde acontece o evento, a câmera de Altman desliza graciosa como que suspensa por um balão, capturando os diálogos entre inúmeros personagens nos bastidores e levando o espectador para assistir os números musicais country tão cafonas quanto honestos de duplas de cantores locais. O programa de rádio é real e, embora antiquado e ingênuo para os dias de hoje, permanece no ar numa rádio pública do estado de Minnesota. O apresentador verdadeiro, o estranho e impagável Garrison Keillor, interpreta a si mesmo no filme, brilhando num roteiro que alinhava e abraça vários personagens, interpretados belamente por atores como Meryl Streep, Kevin Kline, Woody Harrelson, John C. Reilly, Tommy Lee Jones, Lily Tomlin e até a musa teen Lindsay Lohan, como a filha de Meryl Streep, uma garota contemporânea que fica deslocada em meio a tantos personagens que parecem viver numa 'dobra temporal'.

Em tom de comédia esperta, Altman coloca em cena um anjo na pele de Virginia Madsen (pouco à vontade no papel) e brinca com o atual conservadorismo religioso ianque da era Bush. Embora seja uma trama paralela fantasiosa e simbólica que não funciona lá muito bem, não chega a comprometer o todo, que é de uma leveza encantadora, incluindo vários números que tornam o filme quase um musical, com o toque de maestria inigualável desse senhor de 81 anos que entende como poucos hoje em dia o que é essencial para se fazer bom cinema. Um dos melhores Altmans desde Short Cuts - Cenas da Vida, de 1993, remete também a uma de suas grandes obras-primas, Nashville, de 1975. Para quem gosta do cinema de Robert Altman, A Última Noite é mais um filme prazeroso e imperdível, de uma generosidade humana imensa para com os seus personagens. Acho que rende mais uma indicação nesse Oscar 2007 de melhor diretor para Altman, mesmo que ele já tenha recebido no ano passado um Oscar 'consolação' pelo conjunto de sua obra. What a shame, Hollywood...

sábado, outubro 21, 2006

Amantes constantes e sonhadores


Quinta-feira, 19 - OS AMANTES CONSTANTES

Abertura oficial da Mostra tem o documentário Os Estados Unidos Contra John Lennon e festa oficial na casa noturna The Week. Tô fora... Preferi assistir um filme fora da Mostra, ainda em cartaz aqui em SP, aliás último dia em cartaz. Não dava pra perder. O filme é Os Amantes Constantes (Les Amants Réguliers, 2005), curiosamente com muitos pontos em comum com Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci. É sobre o maio de 68 em Paris, sobre os jovens estudantes burgueses que foram às ruas enfrentar a repressão ao histórico movimento estudantil. Até o ator é o mesmo de Os Sonhadores, o francês Louis Garrel. Mas as semelhanças param por aqui. Enquanto o filme de Bertolucci era quase apenas um exercício voyerista e estilizado sobre três belos jovens (uma garota francesa, seu irmão e um rapaz americano) , Os Amantes Constantes vai bem além, num filme desconfortável no melhor dos sentidos.

Dirigido pelo pai de Louis, Phillipe Garrel, em tom autobiográfico, o filme mimetiza a estética da nouvelle vague, com montagem livre, enquadramentos vanguardistas, para mergulhar o espectador no que teria sido viver aquele clima de um momento tão particular daquela juventude que queria mudar o mundo. O tom intimista, a fotografia em preto&branco, a economia narrativa e as três lentas horas de duração tornam o filme difícil até para públicos de 'cinema de arte', mas a viagem é recompensadora. Um filme duro, crítico e direto na maneira como aborda o envolvimento com drogas, o sexo livre, a alienação, mas também de uma beleza poética e melancólica sobre uma geração que acreditava num ideal de liberdade que não tem mais espaço no mundo atual. Louis Garrel está excelente aqui, dirigido pelo pai. Clotilde Hesme, a namorada dele, encarna uma garota daquela época com uma atuação encantadora, somente o seu rosto enquadrado em longos planos fechados torna difícil acreditar que aquelas imagens não sejam registros documentais de 1968. Belo filme.

Agora é preparar-se para começar a maratona oficial da Mostra, nessa sexta 20!

segunda-feira, outubro 16, 2006

Começa a 30ª maratona cinéfila de SP


Os cinéfilos que estiverem em São Paulo nos próximos dias já estão preparados para enfrentar mais uma maratona anual de filmes, sempre começando no final de outubro, na 30ª Mostra Internacional de Cinema de SP. Eu, graças ao patrocínio cultural da Aurora DVD e da colaboração dos leitores do meu site, serei um deles. Credenciado oficialmente para cobrir a Mostra do início ao fim, tentarei postar diariamente minhas impressões sobre os filmes e os fatos e curiosidades dessa edição do evento. Não será fácil: a organização da Mostra anunciou a exibição de pelo menos 362 filmes, sendo 270 longas, 21 médias e 71 curtas!!!

Apesar de lançar medalhões em pré-estréias, como Volver (de Pedro Almodóvar), The Wind that Shakes the Barley (Palma de Ouro em Cannes esse ano), Babel (do mexicano Alejandro González Iñárritu, melhor diretor em Cannes e forte candidato ao oscar 2007), o forte da Mostra, em suas persistentes três décadas de existência, organizada por Leon Cakoff, é o prazer de assistir filmes raros, de países de cinematografia pouco conhecida, filmes que talvez você só terá a chance de ver numa tela de cinema nessa Mostra de São Paulo. É o caso, só como exemplo, do belo filme norte-americano Tormento (Tarnation, de Jonathan Caouette) aclamado mundialmente como um dos melhores filmes de 2004, que eu tive a sorte de assistir na Mostra daquele ano, arriscando a sessão apenas pela vaga promessa da assinatura de Gus Van Sant (Elefante) entre os produtores do filme. Tarnation foi um dos filmes inesquecíveis que eu vi e nunca mais ouvi falar. Nem em DVD existe promessa de seu lançamento aqui no Brasil.

Também tive a oportunidade de assistir, em 2004, na telona do cinema o desenho animado japonês Steamboy, de Katsuhiro Ôtomo, lançado no Brasil somente em DVD. E o que dizer de títulos como O Revólver Amado, de Kensaku Watanabe, violento filme baseado em mangá? Twist, de Jacob Tierney, uma versão moderna do clássico Oliver Twist (vimos a versão de Polanski esse ano), ambientada no submundo de garotos de programa do Canadá? Sneakers, de Femke Wolting, um documentário sobre a história do design de tênis? Ou descobrir grandes filmes latino-americanos como Whisky, Família Rodante e A Menina Santa? Só na Mostra, só na Mostra...

sexta-feira, setembro 29, 2006

O novo mundo de Emanuele Crialese


MUNDO NOVO

Dirigido pelo italiano Emanuele Crialese (do excelente Respiro), Mundo Novo (Nuovomondo, 2006) foi uma das primeiras grandes surpresas desse Festival do Rio. Apesar de ter ganho o Leão de Prata de revelação no Festival de Veneza 2006, o filme chegou ao Rio meio na surdina, sem chamar muita atenção (assisti numa sessão no imenso Cine Palácio, praticamente vazio). Uma injustiça para o belo filme de Crialese, que acompanha a trajetória de Salvatore Mancuso, um siciliano que parte com a família rumo ao Novo Mundo, a América, no início do século passado. Para Mancuso, a terra a ser desbravada representa um sonho com recursos em abundância e prosperidade, recompensas que o esperariam ao final do caminho. Na imaginação do protagonista, a nova terra tem rios de leite, vegetais gigantes e árvores de dinheiro.

A viagem significa não apenas uma mudança de vida mas de paradigmas para a família siciliana, representantes do “mundo antigo”, como explica a matriarca. São homens que trazem superstições e hábitos que não terão lugar na terra de chegada, onde são valorizados homens com capacidade produtiva física e intelectual, características que serão atestadas no momento da chegada, não com pouca humilhação. História que pertence a um passado recente e que se repete nos dias de hoje, o que torna o filme deveras moderno. Assim, Criasele recupera a estrada percorrida por milhares de italianos que imigraram para o novo continente no início do século passado, numa viagem mostrada por meio de imagens impressionantes, filmadas com muita originalidade. Cenas como a saída da embarcação do porto, vista de cima, ou as seqüências do navio jogando com mares de corpos sendo arremessados de um lado para o outro são extremamente impactantes. O trunfo de Crialese é explorar com eficiência e criatividade instrumentos básicos de cinema, como construção de plano, uso de câmera lenta, som e montagem.

Frieza radical de Claude Chabrol

A COMÉDIA DO PODER

Ao longo dos últimos anos, Claude Chabrol vem exercitando um cinema muito próprio, com filmes que percorrem temas absolutamente diversos mas que compartilham um estilo muito característico de filmar do cineasta. Ao mesmo tempo em que isso serve para se constatar uma assinatura autoral muito forte do diretor, serve também para se questionar certas opções tomadas pelo cineasta anteriormente e repetidas mais uma vez nesse novo filme. A Cómedia do Poder (L´Ivresse du Pouvoir, 2006), seu último trabalho, parece preencher uma seqüência lógica construída com Negócios à Parte, A Teia de Chocolate, A Dama de Honra e A Flor do Mal, todos filmes de gênero, realizados com muita personalidade pelo autor e que atende ao raciocínio firmado acima.

Dessa vez, Chabrol realiza um “filme de tribunal”, mas a anos-luz de distância da fórmula hollywoodiana de se filmar o trabalho de uma investigação judicial. O cineasta foi buscar como mote um escândalo financeiro real, acontecido na França nos anos 90. Sua protagonista é a juíza Jeanne Charmant-Killman (Isabelle Huppert, num dos papéis mais frios de sua carreira, o que quer dizer, gélido), encarregada de investigar o trânsito de verbas envolvendo uma estatal francesa. Obcecada com o trabalho, abandona sua vida pessoal, tendo como válvula de escape apenas um sobrinho do marido, com quem compartilha uma estranha cumplicidade.

As opções tomadas por Chabrol para conduzir a investigação levam o filme a uma insipidez e frieza tremendas. Ao mesmo tempo em que acompanha as investigações, colocando a juíza como pólo íntegro num universo que se mostra cada vez mais corrupto e desonesto, o filme observa a desintegração da vida pessoal da magistrada sem nenhuma emoção. Faz isso colocando o peso do filme nas costas da protagonista absolutamente antipática, interpretada por uma Huppert extrapolando o estereotipo da francesa fria, dura e calculista, que vem sendo sua especialidade. Filmado com muita precisão, sem poupar os espectadores de detalhes mínimos das investigações e manobras financeiras levantadas no caso, A Cómedia do Poder é um filme de ritmo peculiarmente lento, que parece compartilhar da dureza e com que sua protagonista trata o trabalho e a vida, sendo esse, o seu calcanhar de Aquiles. Ter como opção retratar uma juíza impassível não parece ser um problema de partida, mas assumir a fleuma da personagem para a sua forma é sim uma questão de chegada.

terça-feira, setembro 26, 2006

Atriz pernambucana Hermila Guedes brilha no excelente O Céu de Suely


O CÉU DE SUELY

É apenas o segundo longa-metragem de Karim Ainouz, mas já é suficiente para firmá-lo como um dos cineastas mais interessantes em atividade no Brasil. O Céu de Suely, novo trabalho do cearense apresentado no Festival do Rio, é uma pequena obra de arte, com raízes fincadas no Brasil mas com janela aberta pro mundo. É assim porque, apesar de tratar de um drama bastante brasileiro, com personagens mais nordestinos do que qualquer outra coisa, fala de dramas universais, vividos por seres humanos que não se definem pelo lugar de onde vêm, mas pelos desejos de libertação e de felicidade que não podem encontrar onde estão. É um desejo de juventude, com esperanças calejadas pela dura realidade econômica que marca o sertão do Brasil, mas exacerbadas pela força de vontade da personagem principal.

O filme começa com Hermila (a pernambucana Hermila Guedes, que teve um pequeno papel em Cinema, Aspirinas e Urubus, fortíssima agora em seu primeiro papel como protagonista) voltando de São Paulo para a cidade de Iguatu, no interior do Ceará. Volta com um filho nos braços para a casa da avó, para esperar o namorado com quem havia fugido anos antes. Durante a espera, vende rifas de Whisky para tentar levantar algum dinheiro. Logo percebe que o namorado não vai voltar e que não vai conseguir permanecer muito tempo por lá, muito menos viver de pequenos sorteios. Assim, Ainouz acompanha o drama da jovem, presa à cidade natal, mas com desejos de desbravar o mundo para tentar a própria sorte e buscar uma vida melhor. A solução que encontra para comprar novamente seu bilhete apenas de ida é rifar a última coisa que lhe resta, seu corpo.

Lindamente filmado, O Céu de Suely tem fotografia assinada por Walter Carvalho, repetindo a parceria de Madame Satã com Ainouz. O estilo também lembra o do filme anterior do diretor, com câmera solta, que acompanha de perto os personagens e aparentemente utiliza muito pouca luz artificial. O filme é reforçado ainda por atuações perfeitas de todo o elenco, pela precisa direção de arte e pela montagem – a maravilhosa seqüência final do filme ressalta todos esses elementos numa belíssima cena que leva Hermila ao seu futuro e nos deixa com uma sensação de melancolia imensa. Ainda pensando no filme em conjunto com Madame Satã, O Céu de Suely compartilha com o filme anterior de Ainouz a sensação de esperança sufocada e o fato de girar em torno de um personagem controverso, mas fincando-se fortemente num núcleo familiar fora dos padrões. É muito interessante a forma como Ainouz reformula a macro-estrutura do filme para criar uma obra absolutamente original.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Pedro Almodóvar e Ricardo Elias

VOLVER

Pedro Almodóvar é um cineasta incrível, que não cessa de nos surpreender a cada novo filme. Seu último, Volver, é uma obra-prima, uma louvação ao feminino e ao universo das mulheres, mães, avós, sobrinhas, tias, amigas, calejadas por seus homens e pela passagem do tempo. Em Volver, as mulheres são o foco, centro e alma, pivôs de um universo familiar desprovido de figuras masculinas – o único que aparece em cena de fato é logo no início descartado por uma situação que ligará inevitavelmente mãe e filha. Se a estratégia de tirar os homens da jogada parece por vezes forçada, a sensibilidade com que Almodóvar retrata suas mulheres é suficiente para manter verossímil e forte a trama que se desenrola ao longo do filme.

A história começa em um cemitério, povoado por mulheres que limpam as covas dos seus maridos. A cidade é em La Mancha, região de origem do cineasta. Somos rapidamente apresentados às personagens que acompanharemos: a reboculosa Raimunda (Penélope Cruz), sua irmã Sole (Lola Dueñas) e sua filha Paula (Yohana Cobo), que ajeitam o túmulo dos pais, mortos num incêndio. Visitam a amiga Augustina (Blanca Portillo), que fuma maconha e lembra da mãe desaparecida (“a única hippie do vilarejo”, lembra com carinho), e a tia Paula (Chus Lampreave), que diz viver ajudada pela falecida mãe de ambas, Irene. A partir desse núcleo familiar, acompanhamos uma tragédia que marcará duas das personagens e dará início à trama, marcada pela volta de Irene (Carmen Maura, excelente), cujo “fantasma” aparece para ajudar Raimunda, com quem nunca se deu bem, utilizando a tímida Sole como ponte de reaproximação.

Assim, Almodóvar faz um exercício de melodrama, se apropriando dos códigos do gênero de forma muito particular, para, ao mesmo tempo subverter e reafirmar o cânone. Para isso, insere na história uma situação sobrenatural, (que vai revelar muito mais que isso ao final do filme), trabalhando sem dificuldade o cômico e o trágico, com uma naturalidade impressionante, num exercício primoroso de cinema.

Por fim, impossível não falar das atrizes. Cruz está impecável como uma mulher do povo, impulsiva, forte e sexy, numa interpretação digna de Sophia Lorren (como foi classificado pelo próprio cineasta), diva total. O melhor papel de sua carreira. Carmen Maura, voltando a trabalhar com Almodóvar, é engraçada e expressiva, uma atriz no auge da sua forma. Volver é trabalho de mestre, que nos fará pensar ainda muito nos próximos anos e quando poderemos ver o trabalho recente de Almodóvar em conjunto – para mim, o maior cineasta em atuação no cinema hoje.

OS 12 TRABALHOS

Três anos depois do seu longa de estréia, De Passagem, Ricardo Elias volta à periferia de São Paulo, novamente para observar as andanças de um jovem de classe baixa pelas ruas da metrópole. Realizado com muita eficiência, o filme acompanha a jornada de Heracles, (o ótimo Sidney Santiago), um jovem negro, recém saído da Febem, que tenta conseguir um emprego de motoboy, a partir da indicação do primo Jonas (Flavio Bauraqui). Para conseguir o trabalho, Heracles tem que completar 12 trabalhos, numa releitura urbana do mito de Hércules. Pelo seu caminho enfrenta funcionários públicos, recepcionistas, seguranças, outros motoboys e até um gato.

Os 12 Trabalhos apóia-se na força do seu protagonista e na excelente atuação de Santiago, que se destaca dos demais colegas de elenco assim como o garoto que interpreta se sobressai dos outros motoboys. Heracles é sensível, gosta de desenhar e de fantasiar sobre as pessoas com que cruza, como um oráculo. Aparentemente frágil, calado e sempre de semblante sério, o jovem enfrenta a injustiça, a violência, a intolerância e as tentações para completar sua tarefa. Tenta enxergar poesia nas coisas banais do dia em São Paulo, mas é atropelado pela realidade da metrópole. Recheando o filme de referências não só à mitologia grega, mas também ao cinema (Taxi Driver e Os Incompreendidos são as mais explicitas e dotadas de relações com o conteúdo da narrativa), Elias realiza um filme bastante interessante e preciso, de cinematografia simples e bela. Sua câmera está sempre próxima ao protagonista – toda a ação acontece sob seu ponto de vista e o acompanha ao longo do dia. Vamos ficar de olho na carreira do filme e do cineasta.

O retorno de Kevin Smith

CLERKS II - O BALCONISTA 2

Há quem não goste, mas é difícil não admirar um cineasta que se agarra às suas convicções (ou raízes, por falta de um termo melhor) como Kevin Smith. Mantendo-se na contramão do comercial, Smith se mantém fiel às suas referências originais, à sua cidade natal Nova Jersey e ao universo de personagens (e atores) desenvolvidos ao longo de sua carreira. É exatamente isso que ele faz em Clerks II, seqüência do seu primeiro longa, que acompanhava um dia na vida de dois balconistas de Nova Jersey. Filmando no quintal de casa, Smith volta ao subúrbio da cidade para acompanhar, mais uma vez, a jornada de Dante (Brian O´Halloran) e Randal (Jeff Anderson). Depois que a loja de conveniência em que trabalhavam, o Quick Stop, é destruída num incêndio, os dois buscam novos horizontes mas acabam trabalhando numa lanchonete de uma rede de fast food fictícia, a Mooby´s.

Nada de novidade aqui. Os dois continuam discutindo sexo e fazendo piadas com referências à cultura pop norte-americana, enquanto Jay e Silent Bob vendem drogas na porta do estabelecimento. A diferença é que dessa vez os personagens estão ficando velhos, passando dos trinta, o que faz com que suas faltas de perspectivas ou de eterna vontade de mudar de vida sem de fato sair do lugar (no caso especifico de Dante) se torne um tanto deprimente. Se a intenção do filme fosse apenas fazer piada com os seus protagonistas não haveria grandes problemas, a bronca é quando Smith tenta explorar significações maiores por trás da falta de perspectiva da dupla, sobretudo significações de cunho filosófico sobre a amizade e o amor, por exemplo. Algumas tiradas são sim muito engraçadas, algumas outras são apenas grotescas, mas nenhuma é suficiente para sustentar o filme como algo mais do que um mero passatempo. Resta a impressão de que Smith e seus amigos que passeiam pelo filme (como Ben Affleck e Jason Lee em participações especiais) se divertiram muito mais fazendo o filme do que nós assistindo.

Palma de Ouro decepciona

THE WIND THAT SHAKES THE BARLEY

Recebido no Festival do Rio com muita expectativa por conta da Palma de Ouro que recebeu no último festival de Cannes, The Wind That Shakes the Barley se revelou uma pequena decepção. Pequena, porque o filme não é necessariamente ruim: é uma interessante história de guerra, travada por homens comuns forçados a se renderem às armas por conta da opressão de um invasor. O problema é que o filme não é realmente muito mais que isso, mostrando-se, inclusive, uma sombra de trabalhos anteriores do seu diretor, Ken Loach, sendo Terra e Liberdade o exemplo mais claro que vem à mente. Com uma preocupação exageradamente didática (os personagens sempre param para “discutir” as investidas com milhares de explicações), o filme se perde por vezes na verborragia, permeada por cenas de violência um tanto extrema e deslocadas. Salvam-se boas interpretações dos atores, em especial Cillian Murphy, lindo e expressivo.

Sessões lotadas, Almodóvar brilha

Primeiro final de semana do Festival do Rio 2006 e as projeções vão a pleno vapor. Impossível conseguir ingresso para qualquer sessão nas salas do Espaço Unibanco e Estação Botafogo, pólos principais da programação do festival (não havia ingresso nem para títulos aparentemente sem muito interesse como os canadenses A Ruptura ou o C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor, esse último a ser lançado no Brasil nos próximos meses). A salvação foi recorrer às salas maiores como o Odeon, o Estação Paissandu e o Cine Palácio, esse último colocado em destaque esse ano como novo palco da Première Brasil.

O grande filme visto no final de semana foi Volver, de Pedro Almodóvar, um deleite de cinema. Visto em sessão lotada no Odeon (assisti sentada no chão do balcão, depois de muito insistir com a coordenadora do cinema para entrar na sala). A decepção ficou por conta de The Wind That Shakes the Barley, ganhador da Palma de Ouro no último festival de Cannes.

sábado, setembro 23, 2006

Festival do Rio: 300 filmes em duas semanas

Maiores expectativas

O Festival do Rio 2006 dá início às suas atividades nessa sexta-feira (22/09) e o Kinemail se prepara para mais uma cobertura do evento, que é, ao lado da Mostra de São Paulo, a maior vitrine para o cinema internacional no Brasil.

Como todos os anos, com perdão do clichê, o Festival promove uma maratona de duas semanas, com mais de 300 filmes exibidos em cinemas espalhados por todo Rio de Janeiro. Dar conta de tamanha programação é atividade árdua, a começar pela seleção do que assistir. Existem as referências de outros festivais (esse ano, o Festival do Rio traz praticamente toda a mostra competitiva de Cannes 2006) e da crítica internacional, mas nada que possibilite um guia real do que espera o cinéfilo nos cinemas cariocas.

Entre os filmes mais esperados, estão sim os que fizeram parte das seleções dos principais festivais internacionais. De Cannes, temos 16 dos vinte filmes da mostra competitiva, entre eles o ganhador da Palma de Ouro The Wind That Shakes the Barley (já com distribuição garantida para o Brasil). De Veneza 2006, serão exibidos filmes com grande repercussão de crítica, como A Rainha, novo trabalho de Stephen Frears, com e A Estrela que Não É, de Gianni Amélio (As Chaves de Casa). De Berlim, A Última Noite (Robert Altman) e A Promessa (Chen Kaige), enter outros.

Voltando a dar ênfase à mostra retrospectiva de um cineasta, o Festival do Rio promove uma seleção de filmes de Luchino Visconti, exatamente no ano de centenário de nascimento do italiano. Na seleção, títulos inesquecíveis como Rocco e Seus Irmãos e Morte em Veneza, e filmes sem cópia no Brasil, como Vagas Estrelas da Ursa, Sedução da Carne e Violência e Paixão. Exibidos no Odeon, farão a festa dos cinéfilos.

Também entre as atrações cult, teremos uma mostra de Ficção Científica mexicana das décadas de 50 e 60, filmes povoados por múmias astecas e lutadores de luta livre travestidos de heróis intergaláticos.

Entre as maiores expectativas:

- The Host – exibido no último festival de Cannes, sobre família que combate um monstro do lado, promete representar bem as trangressões de gênero do novo cinema coreano.
- O Céu de Suely – novo e aguardado filme de Karin Aïnouz
- Dalia Negra – Brian de Palma seguindo nova onde de filmes noir nos Estados Unidos.
- A Scanner Darkly – de Richar Linklater, também no festival com Fastfood Nation.
- O Crocodilo (Il Caimano) – a cruzada de Nanni Morreti contra Silvio Berlusconi. Primeiro filme do italiano depois de O Quarto do Filho.
- El Laberinto Del Fauno – incursões no fantástico do deveres interessante español Guillermo Del Toro
- Flandres – de Bruno Dumont (A Humanidade)
- Volver – Almodóvar sempre entre as maiores expectativas.
- A Comédia do Poder – de Claude Chabrol
- A Última Noite – de Robert Altman
- Juventude em Marcha – de Pedro Costa.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Blog do Kinemail

Notícia diretamente do Fest Rio 2006 e da Mostra SP 2006.
Aguardem!