terça-feira, outubro 24, 2006

Viva o amor e o cinema


Domingo, 22 - EU NÃO QUERO DORMIR SOZINHO

Que beleza ver um filme tão alto-astral numa manhã de domingo! Eu Não Quero Dormir Sozinho (Hei Yan Quan/I Don't Want to Sleep Alone) pode ser resumido com precisão no seu título. É o nono filme do chinês Tsai Ming-Liang e uma sinfonia de imagens e sons para celebrar a beleza do amor, em todas as suas variáveis. Depois de O Gosto de Melancia, era de se esperar uma nova excentricidade do diretor, mas seu novo filme retoma o minimalismo e objetividade narrativa de suas primeiras obras, como O Rio (1997) e, principalmente, Vive L'Amour (1994), com o qual tem em comum um triângulo de personagens, espaços arquitetônicos abandonados e uma sensualidade física incomum. Aqui, um sem-teto, depois de levar uma surra de marginais, é resgatado das ruas por um grupo de trabalhadores. Um deles, o solitário Rawang (Norman Bin Atun) irá cuidar do sem-teto (Lee Kang-Sheng, ator de vários filmes de Ming-Liang), oferecendo casa, remédios e dividindo a cama para dormir. Embora nada de sexual aconteça, estabelece-se um forte clima de desejo homossexual da parte do enigmático Rawang pelo desconhecido sem-teto.

Recuperado, o sem-teto volta a perambular pelas ruas e conhece uma garçonete (Chen Siang-Chyi), que ele começa a paquerar com insistência. A patroa da garçonete também se interessará pelo rapaz. Essa tragicômica ciranda de desejos acontece num ambiente físico miserável, que remete em vários momentos às nossas conhecidas periferias urbanas, com constante presença da água, elemento recorrente na obra de Ming-Liang e, nesse filme, de um nevoeiro que fará os personagens se desencontrarem em momentos de delicado efeito visual. De ritmo absurdamente lento, praticamente sem diálogos, filmado só com planos estáticos, as cenas exploram detalhes e requerem atenção do espectador em cada canto da tela, uma verdadeira reeducação do olhar. O cinema de Tsai Ming-Liang não é para qualquer público. Assistir a um filme dele equivale mais a ir à uma exposição de arte do que a uma sessão de cinema tradicional. É 'cinema de arte' sim, mas no bom sentido. Para quem já conhece o cinema desse chinês, Eu Não Quero Dormir Sozinho é mais um trabalho corente de um cineasta contemporâneo com um olhar muito especial sobre a solidão do ser humano urbano, difícil de ser analisado em palavras. Não perca.

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