domingo, outubro 22, 2006

Bruno Dumont, o homem e a guerra


Sexta-feira, 20 - FLANDRES

Bruno Dumont chamou atenção na virada do milênio com o impressionante e inclassificável A Humanidade (L'Humanité, 1999), filme que só vi em DVD mas depois tive oportunidade de conferir no cinema Apolo. O filme só cresceu, confirmando ser uma obra que precisa ser vista no cinema. O ritmo, o uso do som, as largas imagens em CinemaScope não cabem numa TV. Duas cenas cruciais de A Humanidade (quando o protagonista 'flutua' sem tocar o chão e o longo plano da cena final) eu simplesmente não consegui ver/entender na TV. O filme seguinte de Dumont, o polêmico 29 Palms, não possou no Brasil. Consegui ver em DVD e achei decepcionante, fiquei pensando 'o cara é diretor de um filme só'. Engano meu.

Com Flandres (2006), Bruno Dumont volta à boa forma, embora parte da crítica tenha considerado o filme um tanto convencional, sem novidades. Aqui na Mostra, a oportunidade de ver o filme na tela grande foi atrapalhada por problema de desfoque nos vinte minutos finais, lamentável. Ao final da sessão, a certeza que Bruno Dumont é um dos nomes mais interessantes do cinema atual. O filme, muito simples, conta a história de um grupo de jovens moradores da cidade rural francesa Flandres (onde o diretor nasceu). Barbe (Adelaide Leroux) divide noites de cerveja, tédio e sexo com alguns rapazes da região. Três deles são convocados para a guerra. O filme acompanhará os rapazes na guerra (filmada na Tunisia) e, no estilo de Dumont, os momentos mais violentos não são caretas. Balaços secos na cabeça, crianças assassinadas e mulheres estupradas estão lá, mas sem concessões ao melodrama ou 'espetáculo' da violência. O tom é duro, a violência é real, feia.

O filme faz paralelo do horror da guerra com a vida de Barbe, que ficou grávida de um dos rapazes (com quem tinha uma relação mais carinhosa), o 'bonito' da turma. O protagonista Demester (Samuel Boidin), é o 'feio', considerado por Barbe apenas como um amigo. O filme não facilita qualquer empatia fácil pelos personagens. O cinema bem francês de Dumont não faz julgamentos, não delimita os bons e os maus. Apenas registra os fatos e seus personagens. Flandres ganhou o Grande Prêmio do Jurí em Cannes esse ano, não só pelo nobre humanismo de seu roteiro mas, acima de tudo, porque é cinema maior, aquele que fala poderosamente só com as suas imagens.

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