segunda-feira, novembro 13, 2006

C.R.A.Z.Y. tem Cristo pop


Sábado, 28 - C.R.A.Z.Y. - LOUCOS DE AMOR

O subtítulo nacional é ridículo como sempre e eu ainda estou tentando entender o que significa o Crazy abreviado do título original. Bem, C.R.A.Z.Y. - LOUCOS DE AMOR é um sucesso do ano passado no Canadá, onde faturou vários prêmios locais de melhor filme e muito mais e já está comprado para o Brasil. Tem tudo para virar um sucesso alternativo contagiante, de enorme apelo popular com a platéia jovem. Historinha alto-astral de uma família de classe média com cinco filhos homens. (Ei, talvez o título do filme sejam as iniciais dos nomes dos garotos!). Zachary Beaulieu (Marc-André Grondin) é o mais bonito da prole, nasceu no mesmo dia que Jesus Cristo, no Natal de 1960, com uma marca de nascença no cabelo negro (uma mecha loira) e, segundo a mãe, com abençoados poderes curandeiros. Assim como Cristo, Zachary parece ter algo de especial. Não, ele não é o Salvador. Zachary é gay e o filme acompanhará durante os anos 60, 70 e 80 sua luta contra a homossexualidade, para não decepcionar o pai, o que seria a vergonha da família, ele a ovelha negra dos cinco filhos homens. O formato é de sitcom, comédia dramática cool, pontuada por várias canções que farão você bater o pé na sala de cinema, com Rolling Stones, Pink Floyd e especialmente Space Oddity, de David Bowie, músico que Zachary, claro, adora.

Com os esperados exageros da linguagem videoclipe em algumas passagens, C.R.A.Z.Y. tem como maior qualidade uma abordagem da sexualidade do rapaz de forma um pouco menos esperada. Não é um filme de jeito algum endereçado ao público gay. Zachary reluta em assumir-se, confuso que está, como qualquer adolescente. Ele namora oficialmente a amiga de infância e chega até a encher de porrada um amiguinho gay com quem ele faz brincadeiras sexuais juvenis. Também, não há cenas de beijos ou sexo entre homens. A cena mais sexy do filme é quando Zachary brecha, de dentro de um armário (!!), seu irmão mais velho transando com a namorada. E o momento em que Zachary finalmente se assume, numa viagem psicodélica e solitária para a Europa e Jerusalém, é bastante discreto, subjetivo.

O filme nunca será sobre Zachary assumir ser gay, mas sim sobre como se desenvolvem as relações familiares através das décadas, com o irônico detalhe de que o irmão mais velho de Zachary se tornará, de fato, a ovelha negra da família, viciado em drogas pesadas e vivendo à beira da morte. A chave de leitura é o clássico italiano Rocco e Seus Irmãos (1960), obra-prima de Luchino Visconti, onde o sacrifício de um dos irmãos será o catalizador na união da família. Com uma atuação cativante de Michel Coté (certamente veterano ator popular no Canadá) como o pai, bronco mas 'louco de amor' pelos filhos, C.R.A.Z.Y. é um filme fofinho, irresistível, embora um pouco longo demais, passando de duas horas de duração (algo talvez agravado por eu ter assistido numa sessão à meia-noite, após três outros filmes vistos). É a indicação oficial do Canadá para concorrer a uma vaga no Oscar 2007 de melhor filme estrangeiro. Boa notícia: C.R.A.Z.Y. será exibido em sessão única nessa sexta 17, 21h20, na programação da MostraMundo 2006, no Cinema da Fundaj, aqui em Recife.

Antonia tem periferia pop


Sábado, 28 - ANTONIA

Já bastante divulgado em formato de seriado de TV, Antonia, o filme, está previsto para estrear só em 2007. Provavelmente a estratégia comercial é popularizar os personagens (quatro garotas pobres, da periferia paulista) e levar o público a ver um material inédito final nos cinemas. Bem, tem tudo pra funcionar. Antonia adota a fórmula Cidade de Deus de 'vejam, brancos que vão ao cinema do multiplex, como a periferia é pop!' e funciona, independente de você aprovar ou não o formato publicitário chique com câmera na mão. Como já divulgado na TV, o filme conta a história de quatro garotas negras (ótimas atrizes novatas) que moram na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo, e lutam pelo sonho de formar um grupo musical, o Antonia do título, e (sobre)viver da sua arte.

Elas deixam de ser backing vocals de um grupo de rap masculino e formam sua própria banda. O sucesso local, com música própria e identidade com o público de periferia, é imediato no início, mas o dinheiro não vem. Elas precisarão da ajuda de um 'empresário', o mala sonhador Marcelo Diamante (DJ Thaíde, engraçado), submetendo-se a cantar em bares de branco mané classe média em São Paulo, onde trocam sua música por covers de Killing me Softly e sucessos de Lulu Santos, em troca de um cachê mísero mas regular, certo. Enquanto vão tentando firmar-se, a dura vida de pobreza na periferia vai separando as meninas, de prisão a gravidez e outras fatalidades que fazem parte do cotidiano da periferia mais pobre.

Dirigido com agilidade por Tata Amaral (Um Céu de Estrelas e Através da Janela) e produzido com eficiência por Fernando Meirelles, Antonia diverte, emociona e cumpre bem a proposta de cinema-entretenimento focado nas parcelas da sociedade brasileira que não vão ao cinema. Em algum lugar, fica um incômodo de esperar algo de mais contundente e forte emocionalmente, mas talvez seja uma cobrança equivocada da minha parte, de achar que não combina ver pobreza maquiada pra ser consumida com pipoca e coca-cola, aquela questão do filme Cidade de Deus ter despertado tanta discussão por embelezar e 'popficar' a miséria do Brasil e deixar a humanidade real dos personagens em segundo plano. Antonia é um filme legal. Ponto.

Don Quixote numa visão muito pessoal


Sábado, 28 - HONOR DE CAVALLERIA

Fato curioso de ver tantos filmes em 15 dias é que a memória trabalha de uma forma seletiva especial. Todos os filmes 'normais', que trabalham fórmulas e técnicas visuais já dominadas pelo excesso de informação audiovisual atual, acabam evaporando da mente e aqueles filmes considerados 'difíceis' (mesmo pelo público cinéfilo de carteirinha) ficam gravados com uma intensidade incrível na nossa cabecinha. É o caso desse indescritível Honor de Cavalleria (Honra de Cavalaria, em português, se for algum dia comprado para o Brasil, algo que acho quase impossível, diria que é humanamente impossível tentar ver esse filme em DVD numa televisão).

O filme é uma adaptação bastante livre, quase abstrata, do clássico da literatura Don Quixote. E de literatura não tem nada, é um registro absolutamente cinematográfico, em tom quase de pseudo-documentário, realizado por um diretor espantosamente jovem, o espanhol Albert Serra, 31 anos, ainda em seu segundo longa. Acompanhamos o famoso cavaleiro e seu fiel escudeiro em algumas situações radicalmente naturalistas (em tempo e espaço), em campos espanhóis, aparentemente sem destino, em busca de aventuras mas, na maior parte do tempo (como deveria ser realmente naqueles tempo medievais) absolutamente nada acontece. Não é desenvolvida nenhuma trama e a dupla cruza com pouquíssimos personagens, rumo ao final da fita. Basicamente, Honor de Cavalleria mostra, de forma minimalista ao extremo, com diálogos mínimos porém essenciais (acho que tirados literalmente do livro) a bela amizade entre Don Quixote e Sancho Pança (dois atores impecáveis, Lluís Carbó e Lluís Serrat), que vai revelando-se aos poucos o grande tema do filme, de forma nobre, grandiosa e emocionante para quem ficar até o final da sessão.

Retrato desconcertante da impaciência do público diante de um filme lento mas, principalmente, de um filme que o público não sabe como olhar, pela recusa em aceitar uma obra que não é igual às outras, não se encaixa em qualquer padrão estabelecido, não pode ser rotulada facilmente nem como 'filme de arte', vi nessa sessão uma debandada de uns 50 espectadores (numa sala lotada, certamente pela cotação máxima da Folha SP do dia, que atrai espectadores como moscas famintas diante da quantidade de filmes desconhecidos oferecidos). Enfim, claro que eu achei difícil atravessar o filme, há passagens excruciantemente lentas, sem qualquer ação, mas, se até agora eu não consigo esquecer das imagens do filme, do seu ritmo e som orgânicos e incomuns, de seus não-personagens magníficos, de sua desconstrução do que se entende por roteiro cinematográfico, o que é Honor de Cavalleria senão uma autêntica obra-prima, na sua mais didática definição? Viva Espanha!

Edmond é puro David Mamet


Sábado, 28 - EDMOND

O estilo verborrágico seco e preciso do escritor de teatro e cinema David Mamet ganhou notoriedade a partir dos anos 80, quando ele próprio começou a dirigir seu material em filmes marcantes como As Coisas Mudam, Homicídio e Oleanna, até os recentes State and Main, O Assalto e Spartan, todos com a marca inconfundível dos roteiros exatos, sem excessos, de Mamet. Dessa vez, a direção ficou nas mãos de Stuart Gordon, diretor mais conhecido pelo cinema B de Re-Animator, From Beyond e o surpreendente Tratamento de Choque (King of the Ants, 2003), sua fita anterior a esse Edmond, peça teatral de Mamet de 1982, adaptada de forma bastante correta por Gordon, tanto que, como os melhores filmes de Mamet, tem curtíssima duração, apenas 82 minutos. E a trajetória de transformação radical que o personagem-título (William H. Macy, perfeito para o papel) sofrerá no filme é assombrosa justamente pela concisão, objetividade e economia didática com que é narrada.

O filme Edmond quer provar por A + B que o homem é produto do meio ambiente em que vive. Assim, vemos a tese de que um americano branco, rico, heterossexual, racista, homofóbico, arrogante e egoísta e o seu oposto extremo, um americano branco, loser, homossexual, apático, presidiário por assassinato e namorado de um negro (com quem divide a cela), podem ser mais próximos do que podemos imaginar. Julgamento moral relativizado, eles são apenas resultado das circunstâncias vividas. O filme inicia com Edmond abandonando a esposa num apartamento elegante e partindo para uma via crucis pela noite marginal de Nova York. Prostitutas, bares de strippers, garçonetes, traficantes, fanáticos religiosos e outros personagens irão cruzando seu caminho e transformando-o em outra pessoa.

Talvez o estilo David Mamet de roteiro já esteja meio datado, copiado à exaustão, mas nos anos 80 provocava um impacto violento sobre o espectador. Ainda assim, Edmond causou reações estranhas na platéia, desnorteada com o desdobramento das ações de Edmond, inicialmente uma figura detestável que, por vias muito tronchas, adquire algo de humano, sem pieguice. O formato do filme, um tanto televisivo (diálogos à frente da imagem, mas bem dirigido), sugere que deva ser lançado direto em DVD, com o apelo de um incrível elenco de famosos. Além de William H. Macy, temos participações mínimas de nomes como Joe Mantegna, Julia Stiles, Denise Richards, Dylan Walsh, Mena Suvari, Bai Ling e Rebbeca Pidgeon, esposa de David Mamet na real (e de Edmond, no filme).

sábado, novembro 04, 2006

Premiados da 30ª Mostra SP


Sexta-feira, 03 - PRÊMIOS PARA O CINEMA BRASILEIRO

O Blog Kinemail permanece no ar com atualizações dos filmes da Mostra 2006, após o encerramento oficial nessa quinta 02 de novembro, com a cerimônia de entrega dos prêmios no auditório do Parque do Ibirapuera consagrando o filme brasileiro O Cheiro do Ralo, do pernambucano (há 13 anos vivendo em São Paulo) Heitor Dhalia, com Selton Mello. Não vi o filme, dentro da minha proposta de dar preferência a conferir primeiro os filmes de lançamento comercial duvidoso no Brasil.

Observação importante: esqueci de comentar que o prêmio da Mostra é dado para filmes de diretores iniciantes, daí que vários títulos que citei como ótimos filmes vistos não estão entre os 14 finalistas ao prêmio. Ano passado, por exemplo, o vencedor foi Cinema, Aspirinas e Urubus, primeiro filme de Marcelo Gomes, também pernambucano. Pernambuco presente em duas premiações seguidas da Mostra SP, além da pernambucana Hermila Guedes elogiadíssima por toda a imprensa pela sua bela atuação em O Céu de Suely, é motivo de muito orgulho, sem bairrismo, desse web-cinéfilo recifense que você lê.

Entre uns 15 filmes que ainda vou comentar aqui no Blog, está um dos meus preferidos dessa Mostra, o italiano Anche Libero Va Bene (ou Líbero Também é Legal), que concorreu ao prêmio oficial. Dirigido e estrelado pelo ainda jovem Kim Rossi Stuart, 38 anos (de As Chaves de Casa, no Top Ten Kinemail 2006), o filme é um poderoso drama familiar na tradição do melhor cinema italiano, que me levou desavergonhadamente às lágrimas. Com curiosos pontos em comum com o nacional O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias (estreando hoje em todo o Barsil), é sobre o rito de passagem da infância para a adolescência de um garotinho que quer jogar futebol. Anche Libero Va Bene certamente será comprado para o Brasil. Não perca. Entre os filmes que ainda irei comentar, acesse o Kinemail Blog diariamente e leia meus comentários sobre Edmond, Síndromes e Um Século, Um Dia de Verão, As Leis de Família, Taxidermia, Antonia, Juventude em Marcha, C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor, O Futuro do Design e outros filmes que tive o prazer de ver na 30ª Mostra Internacional de Cinema e faltou tempo para parar no computador e escrever.

Para quem está em São Paulo, fique atento à terceira semana da Mostra, com uma seleção de reprises dos filmes mais vistos e comentados que ainda estão com as cópias disponíveis para exibição, até a próxima quinta 09, confira programação no site oficial www.mostra.org Segue a lista dos premiados oficias da Mostra 2006:

Prêmio do Júri – Melhor Filme:
O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia (Brasil)

Prêmio Especial do Júri:
O Violino, de Francisco Vargas (México)
com menção especial para o ator Don Angel Tavira

Prêmio do Júri - Melhor Ator:
Adel Imam, por O Edifício Yacoubian (Egito)

Prêmio do Júri - Melhor Atriz:
Maria Lundqvist, por Minha Vida sem Minhas Mães (Finlândia)

Prêmio do Júri – Menção Honrosa:
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer (Brasil)

Prêmio Petrobras Cultural
Melhor Filme Brasileiro de Ficção (voto do público):
Antonia, de Tata Amaral
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer
Melhor Documentário Brasileiro(voto do público):
Fabricando Tom Zé, de Décio Matos Jr.

Prêmio do Público
Melhor Longa Estrangeiro de Ficção:
Rosso Come Il Cielo, de Cristiano Bortone (Itália)
Melhor Documentário Estrangeiro:
Uma verdade Inconveniente, de Davis Guggenheim (EUA)

Prêmio da Crítica
Categoria Internacional:
Hamaca Paraguaya, de Paz Encina (Paraguai/França/Argentina/Holanda)
Prêmio da Crítica – Categoria Nacional:
O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia (Brasil)