segunda-feira, novembro 02, 2009

Tudo sobre minha mãe palestina


Depois do inclassificável Intervenção Divina (2002), o diretor palestino Elia Suleiman (um Buster Keaton contemporâneo) volta mais incisivo ao retratar a questão política Palestina/Israel e emociona profundamente pelo lado humano, ao contar a sua relação com a família, especialmente com a mãe, nesse excelente filme que, iniciando com o protagonista hoje, pegando um táxi para visitar a mãe, enfrenta uma tempestade no caminho e abre uma janela para contar a história da sua família a partir de 1948, com a criação do Estado de Israel e em saltos temporais nas décadas seguintes até os dias de hoje, mostrar, em tom de farsa e alegoria, com um humor ferino, fortemente visual, como nada muda, restando a nós, humanos (palestinos, no caso), continuar a viver pelo tempo que nos resta. Com forte herança do cinema crítico visual do francês Jacques Tati, Elia Suleiman faz um cinema que não se parece com nada hoje em dia. Construído como uma coleção de vinhetas, com negação do formal plano/contraplano clássico e uso incomum de planos frontais, além de uma visão brilhante da arquitetura visual dos espaços filmados e uso de ícones da cultura ocidental de massa (na trilha sonora, por exemplo, temos uma versão eletrônica de Staying Alive, dos Bee Gees), tudo resulta em um filme pop de imagens muito marcantes, mas Suleiman vai muito além, e quando a fita volta aos dias atuais, quando se consuma a visita do protagonista à sua mãe, O QUE RESTA DO TEMPO alcança poesia e dramaticidade pungentes, de levar às lágrimas. Ignorado na premiação em Cannes 2009 (e até criticado pela sua irreverência politicamente incorreta alfinetando a política israelense), é um dos grandes filmes de 2009. Não deixe de ver.

Por Fernando Vasconcelos
Cotação: ÓTIMO
Visto em 28/10 no Reserva Cultural

Deixa Ela Entrar revisto


A Mostra 2009 trouxe retrospectiva do cinema sueco, com filmes de Jan Troell e Hasse Ekman e sessões especiais de vários filmes com a presença dos diretores. Um deles foi o premiadíssimo DEIXA ELA ENTRAR, terror exibido na Mostra do ano passado que está em cartaz atualmente no sul e sudeste do país há cerca de um mês, leia crítica AQUI. Enquanto Recife aguarda a estréia do excelente filme de Tomas Alfredson, reassisimos ao longa em sessão especial com debate com o diretor após a exibição. DEIXA ELA ENTRAR não mudou do ano passado pra cá, continua sendo um dos mais doces, macabros, belos e tristes filmes sobre amor juvenil (e vampiros) que já vi, e cada vez que a assisto percebo novas nuances e detalhes que fazem o filme crescer ainda mais na minha cabeça.

Por Filipe Marcena
Cotação: ÓTIMO
Visto em 29/10 na FAAP

domingo, novembro 01, 2009

Vitalidade de um diretor aos 100 anos

Muita expectativa para o novo filme do produtivo diretor português Manoel de Oliveira, que ainda filma com 100 anos de idade, SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA, visto sentado no chão numa sessão lotada no shopping Frei Caneca. Quase um curta metragem na sua concepção e, de fato, com apenas enxutos 63 minutos de duração, o filme é uma pequena pérola de puro cinema, de uma graciosidade e linguagem cinematográfica irretocáveis, onde Manoel de Oliveira filma com domínio completo de jogo cênico, tempo e espaço, talvez só mesmo possível por ser um cineasta que viveu toda a história do cinema, tendo nascido em 1908. Filme é adaptação de um pequeno conto moral de Eça de Queiroz, sobre um sujeito de boa índole que se apaixona pela imagem de uma linda jovem loura que mora no prédio em frente ao seu escritório. Da paixão idealizada à decepção com o mundo real, o rapaz conta a sua estória em flashbacks a uma senhora que o ouve com atenção numa viagem de trem. Alguns momentos são simplesmente encantadores, irônicos e belos como o close que a câmera dá no sapato vermelho da garota no primeiro beijo ou a maravilhosa cena final. Nada de obra-prima, mas é cinema do bom, como os jovens cineastas atuais, sedentos por câmeras mirabolantes e montagem sem significado, parecem não saber fazer. Aprendam com o mestre, pois o cinema mais difícil de fazer é aquele simples, objetivo e inspirado. Na plateia, ao final da rápida sessão, pairou no ar uma sensação imediata de decepção. Mas Manoel de Oliveira faz um cinema que é maior que as nossas pobres críticas apressadas. E segue em frente: às vésperas de completar 101 anos, esse sujeito eternamente jovem de espírito, já está finalizando seu mais novo filme, O Estranho Caso de Angélica, e eu já estou esperando pra ver.

Por Fernando Vasconcelos
Cotação: BOM
Visto em 28/10 no Unibanco Arteplex

Sexo entre amigos


Ben (Mark Duplass) e Anna (Alycia Delmore) são um jovem e feliz casal médio americano. As estruturas se abalam quando Andrew (Joshua Leonard, de A Bruxa de Blair), amigo hippie da infância de Ben, resolve visitá-los. Numa festa "dionisíaca", surge uma bizarra proposta. A fim de participar do Humpfest, festival de vídeos pornôs amadores "artísticos", Ben e Andrew decidem transar como uma "prova de amizade" e para tentar ganhar a competição. Percebe-se pela quantidades de aspas que usei que O DIA DA TRANSA necessita muito de certo esforço do espectador para ter que funcionar. A situação toda é estapafúrdia demais para se engolir, e seria necessário um roteiro muito esperto para suspender a descrença do público. Não é o caso aqui. Por mais talentoso que seja o trio central de atores, poucos diálogos realmente convencem dentro da proposta, forçando a barra e a paciência de todo mundo. Até mesmo Ben chega a conclusão de que aquilo é tudo muito estúpido em certo ponto do filme, o que piora a sensação de frustração em relação à caretice e à falsidade filme. Talvez o problema esteja em Lynn Shelton, diretora que parece não entender muito bem as relações masculinas de amizade.

Por Filipe Marcena
Cotação: FRACO
Visto em 29/10 no Espaço Unibanco