domingo, outubro 22, 2006

O Céu de Hermila Guedes


Sexta-feira, 20 - O CÉU DE SUELY

O novo filme de Karim Aïnouz (de Madame Satã) saiu premiado do Festival do Rio e já foi comentado aqui no blog com elogios superlativos, por Carol Ferreira. Depois de dois filmes como A Última Noite e Flandres e muito expectativa (e vista cansada), assisti O Céu de Suely em sessão com presença da equipe do filme e alguns 'famosos' locais na platéia. Tudo isso poderia contribuir para eu 'torcer o nariz' para a aclamação geral do filme. Felizmente, isso não aconteceu. O Céu de Suely faz uma boa parelha com Cinema, Aspirinas e Urubus, como cinema de temática regional mas de alcance universal, centrado em personagens fortes e com roteiro simples, enxuto, mas nunca simplista. Tranquilamente, será um dos melhores filmes brasileiros da safra 2007, quando entrará comercialmente em cartaz.

O filme conta a história de Hermila (a pernambucana Hermila Guedes, excelente), garota do interior do Ceará, Iguatu, que fugiu apaixonada com o namorado para São Paulo. No início do filme, ela está voltando pra Iguatu com o filho bebê. Seu namorado, agora marido, chegará logo depois. Dias passam e Hermila compreende que seu marido não voltará. E o filme será sobre essa mulher, dolorosamente sozinha, sem conseguir se encaixar de volta naquele fim-de-mundo sem perspectivas, onde um antigo namorado João (João Miguel, de Cinema, Aspirinas... ) parece ser o ideal para um recomeço de vida. Mas Hermila não tem escolha. Sofrendo de amor na mais clássica tradução dessa expressão, só resta a Hermila partir. Sem dinheiro, ela tem a idéia de rifar o próprio corpo para apenas um felizardo, que receberá como prêmio uma noite no paraíso com Suely, nome que ela inventa para a rifa. Hermila não quer prostituir-se, mas apenas viabilizar sua saída de Iguatu, com uma passagem de ônibus só de ida para Porto Alegre, o mais distante destino da rodoviária local.

O Céu de Suely poderia contar essa história como uma novela, um melodrama, mas Karim escolhe o caminho mais rico dos silêncios, do não-dito, dos cortes precisos nos poucos diálogos e nos planos fechados no rosto de Hermila Guedes, de uma presença cênica espetacular. Não só Hermila, mas um conjunto de ótimas atrizes menos conhecidas dão a força do universo feminino desse conto da 'filha pródiga' que não se encaixa no pobre cinema que a Rede Globo está formando para o público atual. A cena final do filme, muito bonita, contradiz o clássico final feliz hollywoodiano mas, de certa forma, deixa o espectador feliz por Hermila ter, à sua maneira, conquistado a liberdade que escolheu. O Céu de Suely tem temática popular, fala de gente real, que reconhecemos na realidade brasileira das pequenas cidades e periferias urbanas, mas pode esbarrar num rótulo de 'cinema de arte' nacional que dificulte seu alcance com o grande público.

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