quarta-feira, novembro 07, 2007

Família estranha, sexo esquisito


Terça 23 - SAVAGE GRACE EUA/Espanha, 2007

Já cansado no quinto (!) filme dessa terça-feira, não achei grande coisa o aguardado novo filme de Tom Kalin, de quem não ouvia falar desde Swoon - Colapso do Desejo, filme marcante
do início dos anos 90, sobre caso real de casal de homossexuais que mataram um amigo para provar que escapariam da justiça. Caso inspirou o Festim Diabólico (Rope, 1948) de Alfred Hitchcock. SAVAGE GRACE conta outro caso verdadeiro de escândalo sexual, agora numa rica família norte-americana. Julianne Moore é Barbara Daly, esposa de herdeiro da indústria de plásticos. O nascimento do primeiro e único filho abala a estrutura do casamento. O garoto é um fracassado aos olhos do pai. Ele torna-se cada vez mais próximo da mãe solitária. Numa viagem à Europa (já adolescente, vivido em corajosa atuação por Eddie Redmaine, que foi o filho de Matt Damon em O Bom Pastor) ele conquista um rapaz e uma moça nas praias da Espanha. A moça terá um caso com o pai, dando fim ao casamento. Depressiva e desequilibrada (papel que sempre cai como uma luva para Julianne Moore), a mãe passa a procurar amantes. Com um deles, dividirá a cama com o próprio filho, já assumidamente gay. O incesto consumado não demora a acontecer, numa cena forte, desconcertante, em que só a classe de Miss Moore para não torná-la grosseira, apelativa. O desfecho caminhará para assassinato. A platéia deixa a sala entre o choque e o riso nervoso. Mas, além do choque, e do 'baseado em história real', SAVAGE GRACE não ficou na minha memória. Vale comentar que a direção de arte é extraordinária. O filme atravessa décadas (de 40 até 70) com sutileza nos detalhes de figurino e mobiliário, numa produção de visível baixo custo. Longe de parecer pobre, o resultado visual é bastante sofisticado. Terça-feira 23, meu recorde na Mostra: 5 filmes vistos! E, enfim, comentados.

Cotação: bom, pra menos

As portas trash de Miami


Terça 23 - O PORTEIRO EUA, 2007

E BORAT já está dando cria... Falso documentário sobre ascensão e queda de um porteiro de boates da Terra da Oportunidade, os EUA, o poderoso Trevor (Lukas Akoskin, hilário). Uma equipe de documentaristas o escolhe para fazer um filme sobre o mundo dos poderosos e famosos americanos, a partir da figura do porteiro de boates cafonas (chiques pra eles), que tem o poder de barrar quem bem entender na porta do estabelecimento. Trevor é um dos melhores do ramo, fica rico e mora numa cobertura em Miami. Heterossexual convicto, mas com maior pinta de bicha latina, cairá em desgraça quando barra Nicolas Cage, sem saber quem ele é, na porta de uma boate de Los Angeles. Renegado no meio, Trevor tentará ser cantor, ator (numa entrevista com Peter Bodganovich) e até uma participação no programa de TV Queer Eye for the Straight Guy, onde perde a vaga, pelos gays do programa acharem que ele não é lá muito straight. Besteirol que diverte, O PORTEIRO fica devendo por não ser absurdo, radical, como BORAT, por exemplo.

Cotação: regular

Olhares sobre mundo da moda


Terça 23 - INÚTIL China/Hong Kong, 2007

O elogiado cineasta chinês Jia Zhang-Ke, pouco visto no Brasil, é um dos destaques dessa Mostra, com toda a sua obra (acho que uns 7 longas) em exibição. Diretor de ficção (Plataforma, de 2005, por exemplo), este INÚTIL é um curto documentário muito interessante sobre universos ligados às vestimentas, não exatamente moda (no sentido fashion). Sem qualquer pretensão de discurso crítico, Zhang-Ke joga uma luz sobre três locações/ambientes distintos: 1. Sob calor e barulho de máquinas e luzes fluorescentes torturantes, vemos em Cantão operárias de uma fábrica de tecidos. 2. Em Paris, conhecemos uma estilista (foto) chinesa preparando-se para um grande evento de lançamento da sua coleção, avessa ao processo industrial, onde as peças recebem tratamento orgânico uma a uma. 3. Num lugarejo pobre, acompanhamos a ida de um mineiro e sua esposa à uma loja de roupas onde um humilde alfaiate atende sua clientela. As três situações são alternadas com montagem delicada e a beleza e leveza típicas do cinema oriental. Filmado e exibido em digital, INÚTIL é filme com poucas chances de lançamento comercial no Brasil. Uma pena. Foi o único filme do Jia Zhang-Ke que vi na Mostra. Para ficar de olho na sua filmografia.

Cotação: muito bom

Supermercado sexy


Terça 23 - CASHBACK Inglaterra, 2006

Filminho inglês simpático é versão 'extended' do curta metragem de mesmo nome, indicado ao Oscar em 2004. Um jovem estudante de artes (Sean Biggerstaff, coadjuvante nos Harry Potter) sofre crises de insônia ao ser abandonado pela namorada. Resolve trabalhar num supermercado à noite para passar o tempo insone. Ele tem o hábito de imaginar-se no tempo congelado, onde fica horas observando as pessoas, numa fração do tempo estático. Fantasia desnudar as garotas nos corredores do supermercado. Enquanto isso, faz amizade com um grupo de engraçados funcionários noturnos e com uma caixa tímida, que será sua chance de um novo amor. Imagens bem cuidadas em comédia romântica com certo charme. No mínimo, CASHBACK teve um dos mais belos planos dessa Mostra: a lembrança do garoto aos 6 anos, quando viu pela primeira vez uma mulher nua. Uma linda sueca subindo uma escada em câmera lenta, completamente nua em largo CinemaScope. Belo registro cinematográfico.

Cotação: bom, pra menos

quarta-feira, outubro 31, 2007

Sublime retrato da adolescência


Terça 23 - PARANOID PARK EUA, 2007

O cineasta americano Gus Van Sant tem uma trajetória muito particular. Apareceu no começo dos anos 90 com os cultuados Drugstore Cowboy e My Own Private Idaho (aqui Garotos de Programa, com atuação memorável do tragicamente falecido River Phoenix). Aberta a porta para Hollywood, ele realizaria obras mais acessíveis como o razoável Gênio Indomável, o excelente To Die For - Um Sonho Sem Limites, com Nicole Kidman e Joaquin Phoenix, e o inexplicável remake do Psicose de Hitchcock. Pausa. Na virada do milênio é que Van Sant mostrou a que veio. Os filmes gêmeos Gerry (que ninguém viu) e Elefante (Palmade Ouro em Cannes 2004), seguidos de Last Days (no Brasil somente em DVD) e desse novo Paranoid Park, colocam Van Sant num patamar sem paralelo no cinema atual pela sensibilidade em olhar o adolescente do mundo contemporâneo.

A Mostra SP está chegando ao fim e, certamente, Paranoid Park foi um dos mais perfeitos e impressionantes filmes que vi na maratona. Van Sant melhora a cada filme e, se sua obra não se parece com nada do cinema comercial, este é também o mais acessível de seus filmes recentes. Baseado em livro, é sobre um garoto que mata acidentalmente um vigia noturno na área barra pesada do 'Parque Paranóia' do título, frequentado por skatistas e marginais. O jovem skatista Alex (Gabe Nevins, ótimo estreante) é seguido pela câmera durante todo o processo conflituoso que vive a partir do acidente, mostrado explicitamente numa cena que intencionalmente destoa não só do filme como de toda a filmografia de Van Sant (um homem agonizando, com o corpo partido ao meio, num trilho de trem). Há, claro, a investigação policial. Mas o filme está interessado em registrar o que se passa com o garoto, num incrível processo de intimidade com esse personagem. A relação distante com os pais, as sutis observações sobre masculinidade e sexualidade (sempre com o olhar gay de Van Sant, mas nunca tendencioso), o primeiro namoro, a dificuldade de relacionamento e adequação ao mundo à sua volta. Com o perfeito e muito pessoal uso da câmera e, em especial, o delicado design de som, que cria climas líricos, soturnos, de efeito sensorial só conseguido numa sala de cinema, temos uma pequena obra-prima de puro cinema, que sabe olhar seu personagem e não precisa de nenhum discurso falado, nem de conclusões convencionais. Uma obra em aberto para leituras infinitas. Gus Van Sant confirma-se como um dos maiores cineastas atuais. Com apenas 85 minutos de duração, Paranoid Park é literalmente um pequeno grande filme.
Cotação: ótimo

terça-feira, outubro 30, 2007

Babel turco-alemão


Segunda, 22 - DO OUTRO LADO Ale/Turquia, 2007

Esse aqui é que foi uma tremenda decepção. Dirigido pelo jovem turco-alemão Faith Akin, 34 anos, que ganhou notoriedade com o belo Head On - Contra a Parede (2005, disponível em DVD), Do Outro Lado ganhou prêmio de melhor roteiro em Cannes 2007, com um roteiro de construção orgulhosa em que vários personagens e historinhas se cruzam com coincidências tão poéticas quanto artificiais. A lembrança de Crash e Babel paira no ar e não é bom sinal. A impressão que dá é que roteiros assim são escritos em função da possibilidade de ganhar prêmios em festivais de cinema. E funcionam. A pretensão aqui é abordar os contrastes culturais e sociais dos imigrantes turcos na Alemanha. Dividido em dois atos envolvendo tragédias acidentais, o primeiro é A Morte de Yeter, uma prostituta turca na Alemanha, e é mais interessante. O segundo ato, A Morte de Lotte, uma garota alemã na Turquia, sofre de humanismo forçado, maquinações nem um pouco críveis do roteiro e, quando a moça é atingida por uma bala perdida num bairro miserável da Turquia (oh não... Babel 2??), eu já havia desistido do filme, que caminha para uma meia hora final de reconciliações de família, discurso 'humano' dos personagens etc. Cheio de boa intenção mas... quem ainda agüenta esses roteiros que, equivocadamente, são considerados 'influência' de Robert Altman? O cinema de Altman nunca teve nada a ver com blefes como Crash, Babel e, agora, esse Do Outro Lado. Como curiosidade, o elenco conta com a atriz Hanna Schygulla, hoje uma senhora alemã, mais conhecida como a sexy atriz de filmes de R.W. Fassbinder nos anos 80.

Cotação: bom, pra menos

segunda-feira, outubro 29, 2007

Maconheira aloprada em Los Angeles


Domingo 21 - SMILEY FACE EUA 2007

Essa foi a primeira decepção da minha programação. Novo filme de Gregg Araki, que dirigiu um dos melhores filmes que vi ano passado, Mistérios da Carne (Mysterious Skin, 2005, disponível em DVD), volta com uma comédia bobinha, com cara de especial da MTV, sobre uma garota de Los Angeles (Anna Faris) num dia de confusão federal, em que ela, completamente chapada de maconha, tem que ir a um teste de elenco e atravessar a cidade para pagar uma dívida a um traficante no Encontro Anual dos Maconheiros de LA. No meio do caminho, arrasta um nerd que dá carona e dinheiro e rouba por engano um Manifesto Comunista de um professor. O filme é divertido mas, em clima de Mostra de Cinema, é um tremendo desperdício programá-lo entre mais de 400 filmes. Smiley Face sofre ainda da síndrome da comédia de uma piada só, que cansa antes da metade dos seus rápidos 85 minutos. Vale ver com os amigos em DVD em casa. O elenco conta com bons nomes da comédia americana. Além de Anna Faris (que faz pontas em Lost in Translation e Brokeback Mountain), temos Adam Brody (The O.C.), John Krasinski (The Office), Jane Lynch (O Virgem de 40 Anos) e John Cho (Harold and Kumar Go To White Castle).
Cotação: regular

Mundo corporativo e nazismo


Domingo 21 - A QUESTÃO HUMANA Fra, 2007

O que me atraiu para ver esse filme foi a presença desse ator sensacional que é o Mathieu Almaric (Munique, Reis e Rainha) no elenco, que ainda conta com o veterano Michael Lonsdale (também de Munique). Filme é um retrato cruel do mundo corporativo da cultura globalizada neoliberal etc etc etc. que desce até o nível mais desumano, em conexões com o nazismo de mais de 50 anos atrás. Temos um psicólogo de RH em uma grande corporação. Solitário, ele contenta-se em ser um grande profissional dessa área, até que um dos sócios da empresa pede para ele investigar o que está acontecendo com o diretor geral, que apresenta comportamento depressivo e desequilíbrio emocional. Na superfície, temos um filme de investigação, de mistério. Mais fundo, temos um dos mais pessimistas retratos do mundo contemporâneo, com ecos do passado sombrio nazista, associando as grandes corporações modernas e seu sistema de eliminação dos menos capazes e busca desumana de produtividade e lucro ao ideal alemão que exterminou milhões durante a segunda guerra. Esse mundo atual que parece um ideal de eficácia e seleção 'natural' dos mais competentes não é mais que uma 'evolução' piorada das formas mais retrógadas de ver o mundo. Terrível, incômodo, devastador, A Questão Humana só não é ótimo porque é mais literatura que cinema. Baseado em livro, o filme investe mais no discurso do que nas imagens, incluindo uma longa e sombria narração final com a tela em negro. Não é um problema, mas certamente ler o livro deve ser uma experiência mais completa. Filme adulto, pessimista, para poucos. Será comprado para o Brasil?
Cotação: bom

sexta-feira, outubro 26, 2007

Tarantino & The Pussy Power!



Domingo 21 - À PROVA DE MORTE EUA, 2007

E começa o segundo round de Grindhouse! Depois do fracasso comercial da proposta de exibir os dois filmes juntos, o lançamento internacional separa Planeta Terror de À Prova de Morte. Melhor para Rodriguez, porque seu filme vira poeira diante do filme de Tarantino. No mesmo nível de diversão e cinefilia de Kill Bill, ou até acima dele, Tarantino reprocessa toda a sua enciclopédica cultura de cinema B e faz muito mais que uma homenagem retrô. Revelando-se cada vez mais um autor que celebra a força e beleza das mulheres no cinema popular, Tarantino vai além da citação e faz um filme que SÓ poderia ser dele e, mesmo celebrando o cinema dos anos 70, pode ser visto como um produto contemporâneo, vibrante, com seus diálogos impagáveis e cenas de ação, perseguição de carros, briga no braço, simplesmente eletrizantes. Precisava ver a empolgação da cabine de imprensa quase lotada. Tivesse tempo, eu iria ver de novo numa sessão com o público. O filme é basicamente uma perseguição em duas fases. Na primeira, o vilão misógino e sádico StuntMan Mike (Kurt Russell, sensacional) persegue quatro garotas, as quais assassina impiedosamente. Na segunda metade, um novo grupo de garotas será alvo da perseguição e elas viram a mesa numa vingança igualmente impiedosa. À Prova de Morte pode não ter a pretensão épica de Kill Bill, mas talvez até por isso, é mais uma sessão de um cinema pop originalíssimo que só Quentin Tarantino sabe fazer. Imitadores não chegam nem perto.
Cotação: ótimo

Masturbação cinéfila de Rodriguez


Domingo 21 - PLANETA TERROR EUA, 2007

Caros leitores, é filme demais todo dia nessa Mostra! De forma que, para tentar dar cobertura de tudo que estou vendo, a solução são comentários mais curtos. Vamos lá: A imprensa aqui teve o privilégio de assistir o projeto Grindhouse na íntegra, com direito aos falsos trailers que emendam os dois filmes de Robert Rodriguez & Quentin Tarantino, Planeta Terror e À Prova de Morte, respectivamente. Vimos Grindhouse numa manhã de domingo. Como já bastante divulgado, Grindhouse é uma homenagem ao cinema B americano dos anos 70, quando era comum a exibição de sessões duplas com filmes baratos de 'ação, violência e peitos', em cinemas vagabundos. Em Planeta Terror, Rodriguez diverte-se em mimetizar o gênero, contando historinha gosmenta de ataque de mortos-vivos, com direito a uma gata gostosa (Rose McGowan) que perde uma perna num ataque dos zumbis e a substitui por uma metralhadora!
O filme é divertido, mas Rodriguez nunca vai além do que qualquer cinéfilo adolescente faria, se tivesse a oportunidade de torrar milhões de dólares e contratar um elenco delicioso para essa brincadeira off Hollywood. Contradição: os efeitos especiais digitais para a perna-metralhadora de Rose McGowan são bem feitos demais para um filme B de orçamento barato... Planeta Terror, se não me engano, está estreando em Recife nessa sexta 26/10 e serve de aperitivo para o sensacional, empolgante, À Prova de Morte, a parte tarantinesca de Grindhouse, leia acima.
Cotação: regular

Desejo, Perigo



Sábado 20 - LUST, CAUTION China/EUA 2007

Depois do megasucesso O Segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee está de volta com outro filme que polemiza, desta vez por cenas de sexo explícito (?), ao contar um romance proibido envolvendo uma estudante de um grupo de resistência à ocupação japonesa, escolhida para seduzir um importante figurão chinês traidor, na Shangai de 1942. O momento histórico complexo e delicado é bastante metafórico (trata-se de um 'filme de guerra' sem nenhuma cena de 'guerra') e o filme não tem pressa narrativa, de forma que leva mais de uma hora (das quase 3 de duração) pra criar envolvimento do espectador. Basicamente, é um filme de tensão erótica entre opressor e oprimido (lembrando o setentista O Porteiro da Noite), bem dirigido por Ang Lee, com a sua habitual sensibilidade para registrar amores reprimidos. Mas não há nada de muito novo em cena, a não ser a surpresa das cenas de sexo, apenas no terço final da fita. Apesar de bem fortes para o padrão americano (onde o filme já está amaldiçoado, a ser exibido no restrito 'circuito de arte'), não espere o divulgado sexo explícito. Tony Leung e a novata Tang Wei ousam cenas de nudez e simulação do ato sexual, mas nada que chegue ao sexo gráfico explícito de um Império dos Sentidos, por exemplo. No mais, é um cinema de impecável reconstituição de época, premiada direção de fotografia de Rodrigo Preto e duas boas atuações. Tony Leung (Amor à Flor da Pele, Infernal Affairs, Hero, 2046) está excelente como sempre, mas a jovem chinesa Tang Wei rouba a cena, numa composição sutil de personagem e, claro, em corojoso desnudamento físico. Lust, Caution venceu o Festival de Veneza 2007, prêmios de melhor filme e direção de fotografia.

cotação: bom, pra menos

segunda-feira, outubro 22, 2007

Programação e filmes off Mostra


Falta de tempo fez com que eu deixasse novamente para tirar convites não-antecipados no sábado, na bilheteria do cinema. Sábado ensolarado, SP não tem praia... Isso: tudo esgotado. Só consegui tirar ingresso para o concorrido Lust, Caution, o novo filme de Ang Lee que venceu o Festival de Veneza 2007 e tem sido comentado por cenas ousadas de sexo. Abro um parêntesis para comentar a agonia que é tentar fazer a sua programação dentro do que a Mostra SP oferece. Além dos medalhões mais visados pelo público, temos uma generosa oferta de filmes de diretores novatos, com boas apostas para filmes orientais, latinos, africanos, incluindo a curiosa participação de muitos atores famosos apresentando seus exercícios por trás das câmeras, como Gael Garcia Bernal, Ethan Hawke, Steve Buscemi, Ricardo Darin, Ben Affleck, Sarah Polley, Valeria Bruni Tedeschi, Jane Birkin e outros. Ainda, as novidades do cinema brasileiro, incluindo Deserto Feliz, do pernambucano Paulo Caldas, um grande número de documentários, incluindo o Sicko de Michael Moore, e retrospectivas completas de diretor veterano (Claude Lelouch) e novo talento oriental (Jia Zhang-ke). E, acredite, num final de semana de abertura como esse, TODAS as sessões são lotadas, com ingressos disputados em filas com direito à bate-boca. A saída para essa tarde 'perdida' na Mostra foi assistir um dos filmes que estão em cartaz no circuitão local. O ótimo Superbad ficou meio perdido como estréia no começo dessa Mostra. Mas vale checar, esse filme já é um clássico pop teen instantâneo. Os três guris nerds são impagáveis.

Sábado, 18 - PIAF - UM HINO AO AMOR Fra, 2006

Acabei conferindo o festejado Piaf - Um Hino ao Amor (ou La Môme ou La Vie en Rose) em sessão multipléxica lotada (a impressão é de que paulista e cinema são sinônimos no fim de semana!) de elegantes senhoras e senhores, muitos provavelmente fãs e contemporâneos da brilhante cantora francesa. Já recomendado por muitos amigos que viram antes, confesso que o filme me decepcionou. Enquadra-se naquele ramo das grandiosas cinebiografias que, longe de humanizar o biografado, o colocam num pedestal de mitificação onde tudo fica acima da vida. A música é pomposa, os números musicais são espetacularmente dramáticos, a infância pobre segue todos os clichês do gênero, o romance com o lutador de boxe é contado como um espetáculo over-scorseseano em suntuoso Cinemascope, com tom de minissérie realizada com muitos milhões de dólares. O resultado é que, com pouco mais de duas horas de duração, o filme parece ter três e, se emociona melodramaticamente (as lágrimas na sessão encheriam um balde), deixa muito pouco na memória ou no coração após a sessão. Como cinema, a estrutura narrativa com idas e vindas cronológicas não consegue superar o convencionalismo do todo e, longe de ter algum charme europeu, o filme segue a cartilha do espetáculo hollywoodiano ao pé da letra. Oscar é a palavra que pisca o filme inteiro, da direção de arte ao design de som, tudo parece implorar pela atenção dos membros da Academia. O que fica de Piaf - Um Hino ao Amor é a atuação 'um espírito baixou em mim' da jovem Marion Cottilard e algumas sequências bem construídas (a melhor delas, uma notícia trágica que começa em casa e, em plano-sequência sofisticado, termina num palco onde Piaf canta uma música pelo amor perdido). Embora eu ache que a interpretação é mais física do que emocional, é admirável a personificação, cobrindo da juventude à velhice precoce da dura vida de Edith Piaf. Uma indicação ao Oscar seria um nobre reconhecimento ao trabalho de Marion. No mais, valeu pela homenagem, é um grande espetáculo, mas a pequenina Edith Piaf merecia um filme maior (e de menor duração).

Cotação: bom, pra menos

domingo, outubro 21, 2007

Afinal, o que é cinema?



Sexta, 19 - IMPÉRIO DOS SONHOS Fra/Pol/EUA, 2006

Mais uma sessão lotada, 23h30 da noite, para entrar pela madrugada com o novo épico audiovisual de 3 horas de duração de David Lynch, Inland Empire, um dos filmes mais aguardados dessa Mostra, que a Europa Filmes teve a ousadia de comprar para o Brasil e será lançado ainda nesse novembro nos nossos cinemas (o filme foi ignorado pelo público americano e, até agora, é uma espécie de mimo de festival de cinema, sem muitas possibilidades de exibição comercial). Desde a obra-prima A Estrada Perdida, de 1996, Lynch vem entortando o conceito do que seja uma narrativa cinematográfica ou o sentido lógico dela. O anterior Mullholand Drive foi seu maior sucesso recente nessa temática. Não por acaso a tradução fácil aposta em 'sonho' (Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos são os títulos aqui, não inadequados mas definitivamente limitadores de significado). Se Lynch ainda flertava com as bases da narrativa de suspense, terror, para dar algum fio da meada para o espectador, dessa vez, acredite, ele ousou reinventar o próprio cinema. Ainda não sei se gostei (é impossível classificar esse filme no bobo sistema de 'estrelinhas'), mas durante as três horas alucinantes (ou irritantes, dependendo do espectador) de Império dos Sonhos a pergunta mais freqüente que você fará é: QUE PORRA É ISSO QUE EU ESTOU VENDO??? Intelectuais e críticos farão as costumeiras 'interpretações psicológicas' mas, minha opinião (e acredito totalmente que a intenção do diretor) esse não é um filme para ser entendido, explicado. Lynch propõe um mergulho radical numa experiência sensorial/audiovisual em que o filme é o que está na tela, durante aquelas três horas. Qualquer tentativa de verbalizar/explicar o filme é inútil, pobre.

À principio há a ilusão de que veremos um filme-gêmeo de Mullholand Drive. Temos uma atriz (Laura Dern, atriz-fetiche de Lynch, num papel escrito especialmente para ela, que se entrega de forma impressionante ao personagem), em vias de conseguir um papel principal num filme de Hollywood (vista com o mesmo cinismo e ironia de Mullholand Drive). Saberemos que o filme é um remake, mas de um filme 'maldito' que ficou inacabado com a morte dos protagonistas. Metalinguagem: vemos as filmagens, o diretor, o produtor, cenas do filme que se confundem com a vida real da atriz protagonista. Durante mais ou menos uns 40 minutos, parece que veremos mais do Lynch de sempre. Então, let's get freak, baby!: o personagem desdobra-se em várias linhas narrativas e temporais. Efeitos estrobocópicos, fantasmagóricos, começam a diluir a narrativa de forma visivelmente irreversível. Cenas perturbadoramente escuras, muito sangue, personagens bizarros, cruzam a tela caoticamente, numa sinfonia de imagens que, se se parecem com alguma coisa, isso seria um sonho/pesadelo. Lembre-se que estou falando de um filme de 3 horas de duração... Embarcar nessa viagem é um compromisso entre o espectador e o filme. Pelo jeito, a platéia dessa sesssão deu feedback: risadas irônicas, nervosas e até mesmo espontâneas acompanharam o filme até os momentos finais, que fecham a narrativa até com alguma 'lógica'. Mas esqueça a lógica do cinema convencional. Estou falando da lógica interna de uma obra de, mais que um cineasta, um artista inquieto, numa fase extremamente pessoal de seu trabalho, sem nenhuma concessão para o mercado. É embarcar ou pular fora. Como falei, nem sei ainda se gostei. Aliás, no caso de Império dos Sonhos, gostar ou não gostar parece um negócio ultrapassado. David Lynch anda querendo mexer com os limites do que seja cinema no mundo contemporâneo. Se está conseguindo, eu não sei, mas tenta de forma brilhante. Alguém já falou que a diferença entre o cinema e a vida é que, no cinema, a vida faz sentido. Acho que essa é a 'senha' para degustar Império dos Sonhos, filme obrigatório de 2007. Observação: Lynch realizou o filme em digital e declarou que não usará mais celulóide. Império dos Sonhos tem imagens digitalmente 'feias', quase trash, 'amadoras' mas, claro, como uma escolha estética intencional do diretor. Só vendo você perceberá o que quero dizer.

Cotação: inclassificável. Em 'estrelinhas'? Me diga você...

Quando as pedras rolavam



Sexta, 19 - SYMPATHY FOR THE DEVIL, Fra/Ing 1968
Pese a favor que eu sou fã da fase áurea dos Rolling Stones (digo de 1966 até 1972). Pese contra que eu não sou muito chegado ao cinema de Jean-Luc Godard. Peso final: Sympathy for the Devil é uma pequena obra-prima. Realizado em 1968 no furação das revoluções que acreditavam que o homem poderia evoluir, muitos consideram-no filme datado. Pelo contrário, acredito que o filme é algo absolutamente moderno, parecendo novinho em folha ainda pela cópia nova, límpida, apesar do som original nada Dolby Stereo. Longe de ser um documentário, ou documentário musical, o filme é puro Godard, um experimento artístico politizado que tenta entender o mundo através de uma canção, sem a menor idéia que esta seria eternizada, para futuras gerações, como uma das mais emblemáticas canções da história do rock. A única música que toca no filme, aliás, é Sympathy for the Devil, em várias sessões de ensaio e gravação em estúdio. Nem é um filme 'sobre os Rolling Stones'. Godard entrecorta a narrativa com esquetes visuais/teatrais que mostram atores declamando manifestos dos Panteras Negras num cemitério de automóveis; uma garota senso 'entrevistada' sobre feminismo, drogas, amor livre, por uma equipe de cinema num passeio por uma floresta; uma artista pichando lojas, automóveis e muros; e, o mais estranho de todos, o dono de uma livraria lendo trechos do Mein Kampf para seus clientes, enquanto vemos um mar de informação visual pop industrial em capas de livros, revistas, quadrinhos, pulp fiction e posters dos anos 60. Para fãs dos Stones, curioso já perceber o isolamento do líder criativo da banda Brian Jones no estúdio (um ano antes de ser encontrado morto na piscina de sua mansão) e a parceria Jagger & Richards já tomando o primeiro plano. Encerrando com um emocionante plano de grua numa praia com atores e, enfim, a gravação definitiva de Sympathy for the Devil, só sei que eu e mais uns poucos aplaudimos a sessão. Viva Godard!
Cotação: muito bom

Control fica devendo ao mito

Sexta 19 - CONTROL Ing/EUA, 2007

Minha primeira sessão da Mostra 2007 estava lotada de 'gente culta de preto' (muitos vestindo a camisa da banda) e teve início irritante: filmado em CinemaScope, Control começou com a lente errada, em tela quadrada com imagem espremida. Eu e mais alguns cinéfilos irados saímos e reclamamos e, com uns dez minutos de sessão, o problema estava resolvido. Cinebiografia de Ian Curtis, o vocalista e letrista de uma das bandas mais influentes doa anos 80, o Joy Division, Control não é um filme ruim de jeito nenhum, mas minha impressão ao final da sessão foi de leve decepção. A direção do estreante Anton Corbijn (famoso fotógrafo) acerta na narrativa sóbria, que não foge do tradicional sexo, drogas e rock'n'roll mas, na segunda metade de sua longa duração (2 horas), reduzindo o drama pessoal de Ian Curtis a problemas familiares, banais (crise no casamento, adultério, problemas com epilepsia), o filme não alcança beleza na dimensão existencial do jovem inglês depressivo fragilizado pela fama, que cometeu suicídio com apenas 23 anos. Claro, para fãs, o filme é uma bela homenagem, obrigatório. O destaque fica para o ator Sam Riley, numa atuação física sobrenatural (pra mim, a imagem de Ian Curtis agora passa a ser ele) e a sempre boa Samantha Morton, como a jovem esposa e mãe Deborah Curtis, autora do livro em que o filme é baseado. Filme de fotógrafo experiente, em preto e branco, nem precisa dizer que direção de arte é impecável. Acredito que Control sairá por aqui direto em DVD, tema muito específico (e em preto e branco...).

Cotação: bom, pra menos

Mostra SP: Começa a maratona 2007


Kinemail só nesse domingo começa a postar os comentários da Mostra SP. Cheguei aqui na quinta 18, em tempo de ir para o evento de abertura mas, acabado depois de virar uma noite de trabalho, pegar vôo de 8h da manhã (sem conseguir dormir um minuto), tirei o resto da quinta-feira só pra dormir e me recuperar, perdendo a festa de abertura, com O Passado de Hector Babenco, presença do diretor e do ator mexicano Gael Garcia Bernal. O poster oficial dessa 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é assinado por Hector Babenco, posando ele próprio de homem-cartaz no centrão de SP.
Oficialmente, a Mostra começou na sexta 19, quando eu já dei a maior burrada em deixar para tirar os convites no dia. A credencial de imprensa, eu não lembrava, só dá direito a retirar convites com 24 horas de antecedência na central do evento. Ou seja, para a sexta, só tinha como tirar convites na bilheteria de cada cinema (pra quem não sabe, a Mostra acontece em umas 20 salas espalhadas pela cidade, nem sempre perto uma da outra, apesar de uma boa concentração de salas no início da Av. Paulista). Resultado: quase tudo esgotado. Dei a maior sorte de me deslocar para a Sala IG (antiga sala UOL) e conseguir tirar convites para três sessões seguidas, em espírito totalmente rock'n'roll: Control, sobre Ian Curtis, o líder suicida da banda Joy Division, anos 80; Sympathy for the Devil, realizado em 1968 por Godard e provavelmente o mais rock'n'roll dessa Mostra 2007, o inclassificável Império dos Sonhos de David Lynch.