segunda-feira, novembro 13, 2006
Don Quixote numa visão muito pessoal
Sábado, 28 - HONOR DE CAVALLERIA
Fato curioso de ver tantos filmes em 15 dias é que a memória trabalha de uma forma seletiva especial. Todos os filmes 'normais', que trabalham fórmulas e técnicas visuais já dominadas pelo excesso de informação audiovisual atual, acabam evaporando da mente e aqueles filmes considerados 'difíceis' (mesmo pelo público cinéfilo de carteirinha) ficam gravados com uma intensidade incrível na nossa cabecinha. É o caso desse indescritível Honor de Cavalleria (Honra de Cavalaria, em português, se for algum dia comprado para o Brasil, algo que acho quase impossível, diria que é humanamente impossível tentar ver esse filme em DVD numa televisão).
O filme é uma adaptação bastante livre, quase abstrata, do clássico da literatura Don Quixote. E de literatura não tem nada, é um registro absolutamente cinematográfico, em tom quase de pseudo-documentário, realizado por um diretor espantosamente jovem, o espanhol Albert Serra, 31 anos, ainda em seu segundo longa. Acompanhamos o famoso cavaleiro e seu fiel escudeiro em algumas situações radicalmente naturalistas (em tempo e espaço), em campos espanhóis, aparentemente sem destino, em busca de aventuras mas, na maior parte do tempo (como deveria ser realmente naqueles tempo medievais) absolutamente nada acontece. Não é desenvolvida nenhuma trama e a dupla cruza com pouquíssimos personagens, rumo ao final da fita. Basicamente, Honor de Cavalleria mostra, de forma minimalista ao extremo, com diálogos mínimos porém essenciais (acho que tirados literalmente do livro) a bela amizade entre Don Quixote e Sancho Pança (dois atores impecáveis, Lluís Carbó e Lluís Serrat), que vai revelando-se aos poucos o grande tema do filme, de forma nobre, grandiosa e emocionante para quem ficar até o final da sessão.
Retrato desconcertante da impaciência do público diante de um filme lento mas, principalmente, de um filme que o público não sabe como olhar, pela recusa em aceitar uma obra que não é igual às outras, não se encaixa em qualquer padrão estabelecido, não pode ser rotulada facilmente nem como 'filme de arte', vi nessa sessão uma debandada de uns 50 espectadores (numa sala lotada, certamente pela cotação máxima da Folha SP do dia, que atrai espectadores como moscas famintas diante da quantidade de filmes desconhecidos oferecidos). Enfim, claro que eu achei difícil atravessar o filme, há passagens excruciantemente lentas, sem qualquer ação, mas, se até agora eu não consigo esquecer das imagens do filme, do seu ritmo e som orgânicos e incomuns, de seus não-personagens magníficos, de sua desconstrução do que se entende por roteiro cinematográfico, o que é Honor de Cavalleria senão uma autêntica obra-prima, na sua mais didática definição? Viva Espanha!
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4 comentários:
fiquei super-curioso. mas pára de ser desmancha-prazeres: "humanamente impossível"? eu vou ter q ver em dvd...
cara,
é uma pedreira tentar ver um filme desses em casa, na TV. Mais ou menos como A Humanidade, de Bruno Dummont, é um filme que tem texturas de som, ritmo estranho e leeeeento muito ligado ao clima que o diretor quer passar. Só no cinema... Obs. A Humanidade, diante de Honor de Cavalleria, é um filme bem 'normal' eh eh
nao vou levar em consideração tuas restrições. senão tô-fu! tu é o cara que, até um dia desses dizia que não alugava filme, que só via no cinema. lembra?
"tu é o cara que, até um dia desses dizia que não alugava filme, que só via no cinema."
Que joinha!!! hehehe.
Osvaldo (www.vaeveja.blogspot.com)
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